O Sacrifício - Unama
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— Neste sentido, nada me disse; mas para que há de pedir a senhora aos<br />
tribunais a separação que já uma vez levou a efeito, e se pode realizar agora mesmo<br />
sem intervenção de ninguém?<br />
— Não concorramos para um resultado que a precipitação pode tornar fatal.<br />
— Não há precipitação. Uma carruagem poderá vir em menos de meia hora<br />
receber a senhora e D. Virgínia, e conduzi-las para o lugar do embarque. Ao<br />
amanhecer, estaremos longe, e dentro de trinta horas poderemos aportar no<br />
cantinho feliz, onde tenho meus pais que hão de receber-nos com o mais vivo<br />
contentamento, como se todos fôssemos seus filhos.<br />
Tinham chegado a certo ponto, onde a estrada formava um ângulo. Havia aí<br />
uma grande árvore. A estrada estava deserta. As sombras da noite estendiam-se<br />
rapidamente. A paisagem parecia lançar nos espíritos vagas confianças, misturadas<br />
de pavores — contradição gerada pela luz que fugia e pelas sombras que adiantavam.<br />
Diante dessa natureza, que era uma incitação muda, posto que irresistível, ao<br />
que as paixões oferecem veemente e embriagante, Ângelo parou tomado de<br />
delicioso sentir.<br />
Pegando as mãos de Maurícia, pousou nela os olhos que despediam grandes<br />
brilhos azulados como as estrelas. Maurícia estava pálida e abalada. Nada disse.<br />
Recebeu, não sem prazer, na face o fulgor dessa inspeção, que o bacharel parecia<br />
querer levar-lhe no íntimo da alma.<br />
— Por que não aceita os meus serviços? Que pretextos são estes? Enquanto<br />
eu me sinto capaz de levar a efeito impossíveis para tê-la comigo, a senhora<br />
levantam escusas frívolas. É manifesta a causa de tais escusas. Cuidei que lhe<br />
merecia um afeto, mas o que a senhora sente por mim é simples curiosidade. Quer<br />
ver talvez, até onde irá o delírio de uma alma que teve a desgraça de se deixar<br />
vencer pelo esplendor de sua beleza.<br />
Maurícia demorou-se um momento a dar-lhe a resposta. Parecia ter a voz<br />
presa e a respiração opressa.<br />
— Como é injusto! o disse enfim. Não são escusas frívolas que levanto, são<br />
justas razões que aconselham a sermos prudentes; Que idéia daríamos de nós, se<br />
fugíssemos assim? E por que havemos de fugir? O senhor já refletiu maduramente<br />
na grave situação em que ficaria Virgínia, se realizássemos semelhante loucura?<br />
— Chama a isso de loucura? — inquiriu Ângelo, sentindo as mãos geladas e<br />
trêmulas.<br />
— E que nome se deve dar a tão arriscado plano?<br />
— Diz a verdade — tornou o bacharel. Que sou, eu, senão um louco? Sinto<br />
que a razão se me desvaira; mas é à senhora que devo tal desvairamento; devo-o<br />
aos seus olhares magnéticos, à majestade das suas graças, ao brilho do seu talento.<br />
A senhora escravizou-me, e agora quer cortar o vôo da paixão que é obra sua, e que<br />
de suas mãos recebeu o impulso, que me atira para o imprevisto! Seja cordata e<br />
justa. A senhora deve acompanhar-me nesta vertigem, que pôs em minha alma, e<br />
cuja responsabilidade lhe pertence em sua maior parte.<br />
— Acompanhá-lo-ei oportunamente. Agora, não. É impossível. Não vejo nisto<br />
indício de desamor. Como eu seria feliz, se pudesse ser desamorosa! Não duvide do<br />
meu amor; duvide da oportunidade das circunstâncias; duvide da conveniência deste<br />
modo de resolver uma dificuldade que é um laço de ferro, que me prende por toda a<br />
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