O Sacrifício - Unama
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E a mestiça estendeu-se a fio comprido na areia.<br />
Paulo teve, então, ocasião de observar as formas que ele nem sequer<br />
imaginara nunca. A sua primeira impressão, vendo a rapariga correr para a banda<br />
dele, fora fugir, desaparecer; mas a novidade e o escândalo puderam mais que o<br />
escrúpulo do rapaz, posto que educado nas lições de sã moralidade.<br />
— Se não vier buscar-me, não voltarei tão cedo — prosseguiu a mestiça.<br />
— Deixa-te disso; vem. Se eu for lá, hei de trazer-te arrastada pelos cabelos.<br />
— Não vê! Os meus cabelos são as suas prisões. Sua mulher há de ter inveja<br />
deles. Não tem?<br />
— Vem, diabo! — tornou Bezerra contrariado.<br />
— Que é isto? Está com raiva porque falei na sua mulher? Bonito que você é!<br />
A sua mulher sou eu.<br />
— Pois sim, és tu mesma; mas o que eu quero é que saias daí.<br />
— Eu não. Está com ciúmes? Cuidarás que alguém, vendo-me nua, vai tirarme<br />
do seu poder?<br />
— Deixa-te de asneiras, e não me metas raiva.<br />
Dizendo estas palavras, Bezerra correu da água para a margem, onde a<br />
rapariga se espojava, ora encolhendo, ora estirando as pernas. Vinha resoluto a<br />
levá-la por força, mas quando entre ele e ela não se interpunham mais de dez<br />
passos, Janoca, por diabrura, encheu a mão de areia e atirou-lhe sobre a cara,<br />
acompanhando este movimento de cínica e estrepitosa risada. Bezerra deu um grito,<br />
sobresteve um momento com as mãos no rosto, e depois voltou ao rio. A areia caíralhe<br />
nos olhos.<br />
Então, Janoca levantou-se rapidamente e correu após ele.<br />
— Caiu-lhe nos olhos a areia, meu benzinho? — perguntou com voz sentida.<br />
Coitado do meu marido!<br />
E foi ela que arrastou Bezerra para dentro da água, onde, abraçando-o e<br />
dando-lhe beijos, começou a banhar-lhe o rosto e a pedir-lhe perdões ao mesmo<br />
tempo.<br />
Paulo aproveitou-se deste acidente para retirar-se do lugar, onde o acaso<br />
acabava de dar-lhe tão nojento e infame espetáculo. Estava maravilhado. A<br />
impudência e a nudez haviam deixado em seu espírito estranha impressão de<br />
assombro. Pensou logo em Maurícia, que ele tinha em conta de sua segunda mãe.<br />
“Quanto não deve ter ela padecido? — disse ele consigo. Agora acredito em todas<br />
as suas palavras; quem pratica o que acaba de praticar esse homem é capaz de<br />
todas as vilezas”. Paulo sentiu tamanha pena que, dados alguns passos, parou de<br />
novo e pôs-se a pensar no que testemunhara. A estranha visão apresentou-se-lhe<br />
outra vez diante dos olhos escandalizados, em tintas tão vivas como a realidade.<br />
“Oh, nunca supus que ele tivesse coragem para semelhante procedimento!”<br />
Voltou esse dia mais cedo do serviço. Tinha pressa de ver Maurícia. Quanto<br />
mais reconhecia a sua desgraça, mais se sentia na obrigação de ir em socorro da<br />
infeliz senhora. Nada lhe revelaria do que vira, mas trataria de cortar as relações<br />
criminosas que Bezerra e a mestiça mantinham. “Ela se sacrificou por mim; eu tenho<br />
o dever de lhe tornar o mais suave que puder o sacrifício”. Essa infame rapariga não<br />
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