O Sacrifício - Unama
O Sacrifício - Unama
O Sacrifício - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
Parecia-lhe que nunca mais havia de ressuscitar este em seu coração como aquele<br />
não havia de ressuscitar mais na vida. Considerava essas duas perdas irreparáveis<br />
e equiparava a importância de uma à da outra. No meio das suas tristezas, uma<br />
única consolação servia-lhe de amparo e impedia que caísse de todo desalentado e<br />
vencido — era a de ser útil à mãe e aos irmãos menores. ”Esta herança que me<br />
deixou meu pai — dizia, referindo-se aos entes queridos que tinha a seu cargo —<br />
hei de defendê-la e zelá-la, não só porque desde o momento em que não a tiver<br />
comigo, me considerarei desligado inteiramente deste mundo, e só me restará<br />
desaparecer do banquete da vida.”<br />
Tal era o estado da sua alma , quando uma tarde, passeando pela estrada, se<br />
lhe deparou Sinhazinha de pé no portão, suavemente beijada pelos últimos raios do<br />
sol poente. A menina trajava vestido de azul desmaiado como o do céu por noites de<br />
luar. Tinha uma saudade entre os cabelos. Os olhos lânguidos e ternos, ela os volvia<br />
brandamente para o lado donde ele se encaminhava. Vendo-o, corara ligeiramente.<br />
Este excesso de pudor produziu no coração de Ângelo, que ele julgava<br />
profundamente adormecido, senão morto, indizível impressão semelhante à que<br />
experimenta aquele que acorda de diuturno sono. Por essa ocasião, afirmando a<br />
vista no rosto da menina, descobriu-lhe modestos encantos em que nunca fizera<br />
reparo. Não tinha o intento de lhe falar, mas misteriosa fascinação o reteve junto<br />
dela por alguns momentos. Ouvindo-lhe a voz, achou-a engraçada. “Onde andava<br />
eu — disse consigo, que nunca adverti nesta suave e tímida harmonia?” Dois meses<br />
depois deste encontro e destas observações, os dois jovens, entendendo-se, eram<br />
como dois espelhos postos um defronte do outro — refletiam-se e iluminavam-se<br />
mutuamente.<br />
Foi por esse tempo que Ângelo conheceu Júlia, cujos encantos tinha a vivez<br />
dos painéis pintados a fresco. Sinhazinha tinha a beleza correta, mas silenciosa e<br />
modesta das gravuras; Júlia trazia no rosto o colorido ardente, nos gestos a<br />
majestade que a arte ensina e que senhoreia os espíritos mais altivos.<br />
Júlia, entretanto, não era de todo estranha e indiferente aos seus sentimentos<br />
elevados; seu coração guardava ainda restos de simpatia para as afeições ardentes e<br />
irresistíveis; ela era ainda capaz de amar, e chegou até a amar Ângelo. Educada no<br />
centro literário, iluminado ainda pelos graciosos talentos de Lopes de Mendonça,<br />
Rabelo Silva e tantos outros escritores de que hoje só restam ilustres e saudosas<br />
lembranças, ela não podia eximir-se de se sentir arrastada para o bacharel que nas<br />
horas vagas escrevia para as primeiras folhas do Recife, compunha dramas e<br />
romances, e sustentara um periódico literário, que deixou ligado ao seu nome honrada<br />
e vantajosa memória. Quando Ângelo finalizou a leitura do seu primeiro drama em<br />
presença da companhia, o qual um mês depois passou pelas provas públicas, Júlia foi<br />
a primeira que teve para eles palavras de admiração e demonstrações de simpatia.<br />
Ângelo começou então a viver exclusivamente para o teatro.<br />
Estava na maior intensidade essa paixão, quando Ângelo foi sabedor da<br />
fugida de Bezerra. Lembrou-se de Maurícia, e do que se passara meses antes entre<br />
ela e ele; mas a lembrança depressa se desvaneceria se logo depois ele não tivesse<br />
recebido uma carta de Maurícia, acompanhada de uma tradução da Lélia, de<br />
George Sand, que ele lhe pedira no dia da festa natalícia de Eugênia para publicá-la<br />
no periódico que tinha a seu cargo.<br />
Grande foi a surpresa de Ângelo ao receber a carta de Maurícia. Ao princípio,<br />
pareceu-lhe que era vítima de alguma conspiração teatral, visto que, na companhia<br />
as suas relações com Júlia já tinham suscitado despeito e hostilidades surdas; mas,<br />
atentando na letra, reconheceu que a carta era de Maurícia; esta nunca lhe havia<br />
71