O Sacrifício - Unama
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Sinhazinha guardou silêncio por alguns momentos, parecendo procurar na<br />
lembrança a resposta que aí não podia achar.<br />
— Ele só tem para mim atualmente ódio, desprezo, ou, pelo menos,<br />
indiferença, concluiu Maurícia.<br />
— Por quê?<br />
— Porque vendo-me tornar à companhia do homem, que me infligira as<br />
maiores humilhações, inferiu talvez ou que eu me não sinto, ou que tudo quanto me<br />
ouvira dizer a respeito desse homem era pura invenção. O Dr. Ângelo, Sinhazinha,<br />
não há de formar ainda de mim o juízo que já formou. Aos seus olhos, eu devo ser<br />
hoje uma mulher vulgar, senão desprezível. Quantas vezes não terá dito consigo:<br />
“Como me enganei com ela!” E, demais não poderia eu fazer para dissuadi-la de<br />
prosseguir no caminho escolhido pelos seus sentidos ou pela sua alucinação? O seu<br />
apelo a mim, Sinhazinha, é de todo ponto inútil. Em nome de que sentimento deveria<br />
eu falar-lhe a seu favor? Que autoridade tenho? Que armas poderia empregar?<br />
Sinhazinha, corando de pudor, pôs um dos braços à roda do pescoço de<br />
Maurícia, e em voz branda e tímida respondeu como quem lhe segredava ao ouvido<br />
grave revelação.<br />
— A senhora tem a autoridade do seu talento, tem as armas das suas graças<br />
a que ninguém resiste.<br />
— Quanto você é ingênua! — exclamou Maurícia.<br />
— Que quer que eu lhe diga? — respondeu a jovem lacrimosa. Toda a minha<br />
confiança, toda a minha esperança está posta na senhora. Diz-me o coração que se<br />
a senhora tomar a si a minha causa ela triunfará. Condoa-se de mim, minha querida<br />
amiga. Este amor é hoje a minha existência; sem ele, que será de mim? Olhe, eu<br />
tenho refletido muito no meu estado e nos meios de conjurar os males que sobre ele<br />
pesam. Há mais de um mês que o Dr. Ângelo não aparece em casa do Sr. Martins;<br />
mas se ele souber que a senhora vai passar alguns dias na estrada, ele há de voltar;<br />
e talvez com ele volte para mim a felicidade. Seja o meu bom anjo, D. Maurícia. A<br />
ocasião é oportuna. Há mais de três meses que a senhora não vai ao Recife.<br />
Maurícia, sem dizer sim, nem não, levantou-se a modo de distraída por oculto<br />
pensamento. Entre as músicas que estavam sobre a mesa, escolheu uma que pôs<br />
na estante do piano e entrou a tocar e a cantar. Sua voz tinha particular ternura.<br />
Eram graciosas as harmonias, mas tristes, quase dolorosas.<br />
CAPÍTULO XVI<br />
O que Sinhazinha contou a Maurícia não era senão a verdade. Apenas<br />
Ângelo soube, por boca de Martins, que a cunhada ia unir-se outra vez ao marido,<br />
considerou despedaçados os estreitos elos que o tinham tão intimamente ligados<br />
aos seus encantos. Ao princípio, só teve para ela indignação e desprezo; mas<br />
posteriormente, refletindo melhor sobre as circunstâncias fatais que seguem de perto<br />
o casamento, tratou de esquecer-se dela, julgando-a antes digna de sua compaixão<br />
do que do seu rancor. Então, seu coração readquiriu a perdida independência.<br />
Muitas vezes, meditando em silêncio, concluía a ordem das suas idéias por este<br />
conceito: “Ando por entre duas sepulturas — a do meu pai e a do meu amor.”<br />
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