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O Sacrifício - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Sinhazinha guardou silêncio por alguns momentos, parecendo procurar na<br />

lembrança a resposta que aí não podia achar.<br />

— Ele só tem para mim atualmente ódio, desprezo, ou, pelo menos,<br />

indiferença, concluiu Maurícia.<br />

— Por quê?<br />

— Porque vendo-me tornar à companhia do homem, que me infligira as<br />

maiores humilhações, inferiu talvez ou que eu me não sinto, ou que tudo quanto me<br />

ouvira dizer a respeito desse homem era pura invenção. O Dr. Ângelo, Sinhazinha,<br />

não há de formar ainda de mim o juízo que já formou. Aos seus olhos, eu devo ser<br />

hoje uma mulher vulgar, senão desprezível. Quantas vezes não terá dito consigo:<br />

“Como me enganei com ela!” E, demais não poderia eu fazer para dissuadi-la de<br />

prosseguir no caminho escolhido pelos seus sentidos ou pela sua alucinação? O seu<br />

apelo a mim, Sinhazinha, é de todo ponto inútil. Em nome de que sentimento deveria<br />

eu falar-lhe a seu favor? Que autoridade tenho? Que armas poderia empregar?<br />

Sinhazinha, corando de pudor, pôs um dos braços à roda do pescoço de<br />

Maurícia, e em voz branda e tímida respondeu como quem lhe segredava ao ouvido<br />

grave revelação.<br />

— A senhora tem a autoridade do seu talento, tem as armas das suas graças<br />

a que ninguém resiste.<br />

— Quanto você é ingênua! — exclamou Maurícia.<br />

— Que quer que eu lhe diga? — respondeu a jovem lacrimosa. Toda a minha<br />

confiança, toda a minha esperança está posta na senhora. Diz-me o coração que se<br />

a senhora tomar a si a minha causa ela triunfará. Condoa-se de mim, minha querida<br />

amiga. Este amor é hoje a minha existência; sem ele, que será de mim? Olhe, eu<br />

tenho refletido muito no meu estado e nos meios de conjurar os males que sobre ele<br />

pesam. Há mais de um mês que o Dr. Ângelo não aparece em casa do Sr. Martins;<br />

mas se ele souber que a senhora vai passar alguns dias na estrada, ele há de voltar;<br />

e talvez com ele volte para mim a felicidade. Seja o meu bom anjo, D. Maurícia. A<br />

ocasião é oportuna. Há mais de três meses que a senhora não vai ao Recife.<br />

Maurícia, sem dizer sim, nem não, levantou-se a modo de distraída por oculto<br />

pensamento. Entre as músicas que estavam sobre a mesa, escolheu uma que pôs<br />

na estante do piano e entrou a tocar e a cantar. Sua voz tinha particular ternura.<br />

Eram graciosas as harmonias, mas tristes, quase dolorosas.<br />

CAPÍTULO XVI<br />

O que Sinhazinha contou a Maurícia não era senão a verdade. Apenas<br />

Ângelo soube, por boca de Martins, que a cunhada ia unir-se outra vez ao marido,<br />

considerou despedaçados os estreitos elos que o tinham tão intimamente ligados<br />

aos seus encantos. Ao princípio, só teve para ela indignação e desprezo; mas<br />

posteriormente, refletindo melhor sobre as circunstâncias fatais que seguem de perto<br />

o casamento, tratou de esquecer-se dela, julgando-a antes digna de sua compaixão<br />

do que do seu rancor. Então, seu coração readquiriu a perdida independência.<br />

Muitas vezes, meditando em silêncio, concluía a ordem das suas idéias por este<br />

conceito: “Ando por entre duas sepulturas — a do meu pai e a do meu amor.”<br />

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