O Sacrifício - Unama
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www.nead.unama.br<br />
estava agora nas mãos do marido. Ainda quando Maurícia referisse o que vira,<br />
ninguém acreditaria em suas palavras; Bezerra já não estava no mesmo caso; tinha<br />
consigo uma prova material da sua culpa; podia esmagá-la, atirando simplesmente o<br />
papel sobre a mesma, como se esmaga uma cobra, atirando-se-lhe uma pedra<br />
sobre a cabeça.<br />
Passados alguns instantes, disse consigo:<br />
— Mas, quem sabe se não está nisto a minha salvação? Quero crer que<br />
esteja; não é possível que Bezerra, lendo semelhantes revelações de um coração<br />
altamente apaixonado, queira ainda que eu vá viver com ele. Virá, talvez, à terra, o<br />
formoso castelo que acabo de erigir para Virgínia; mas o meu infortúnio terá<br />
encontrado o seu termo. Entre mim e o meu indigno marido, ter-se-á levantado uma<br />
barreira eterna, que ele não transporá nunca mais. Estarei livre, embora com uma<br />
nota, que o tempo há de apagar.<br />
Como se tais idéias lhe ocorressem por intuição sobrenatural, Maurícia sentiase<br />
reanimada. Onde um momentos antes estivera a sombra da morte, estava agora<br />
suavíssimo bálsamo de consolação tão grande que apagou toda a sua mágoa.<br />
Chegou ao espelho, alisou o cabelo e encaminhou-se com Virgínia para a porta.<br />
Já a vinham chamar por parte de Albuquerque.<br />
Não foi sem pronunciada palidez que entrou na sala. Estavam aí, sentados ao<br />
lado de D. Carolina, perto do sofá, Albuquerque e Bezerra, e ao pé de Alice, junto da<br />
porta que dava para o terraço, Paulo e Martins. Este havia chegado um minuto antes<br />
de Maurícia entrar.<br />
Quando ela apontou na porta, Bezerra levantou-se e foi pressuroso ao seu<br />
encontro. Fazia três anos que a não via. Abraçou-a respeitosamente diante de<br />
todos. Maurícia sentiu-se, então, enfraquecer novamente. Conheceu que estava<br />
ameaçada de dobrada desgraça; A sua prevenção fora enganosa. O seu tirano não<br />
se deu por achado. Isto queria significar que aos seus olhos ela havia de ser<br />
inevitavelmente vítima de dúplice vingança.<br />
Bezerra estava pálido, mas mostrava-se satisfeito. Tinha risos que à sua<br />
mulher se afiguraram infernais. Raras vezes a hipocrisia representou melhor o seu<br />
papel.<br />
Maurícia, entretanto, no meio do turbilhão de idéias contrárias que lhe<br />
enchiam a imaginação, não podia esquecer-se de Ângelo. Quando seu marido a<br />
abraçou, entre expansivo e reservado, ela teve desejos de lhe fugir. Pareceu-lhe que<br />
o direito de aconchegá-la ao seio já não lhe pertencia, e tinha passado ao homem<br />
que se mostrava louco de amor por ela. Aquele era indigno de seu corpo; estava ao<br />
nível da Janoca da Januária, perdia-se abaixo dos seus pés.<br />
Compreendendo que Bezerra premeditaria contra o seu rival desapiedada<br />
vingança, começou a sentir por este tormentos imaginários. Jurou morrer ao lado de<br />
Ângelo, caro objeto de seu exclusivo amor. A presença do marido, longe de a<br />
prender na sala, apartou-a em espírito para fora desse estreito âmbito onde mal<br />
cabia as paixões despertas. Ela ia em busca do bacharel, nas asas de uma saudade<br />
imensa. Parando no ponto onde uma hora antes se tinham separado, perguntou a si<br />
mesma, no deserto, que testemunhara o seu colóquio: “Onde estará ele? Que<br />
pensamentos terá agora?”<br />
Ângelo, entretanto, volvera ao Recife, levando em sua alma a vaga impressão<br />
da felicidade, que o embriagara com alguns momentos, e que era o resultado das<br />
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