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O Sacrifício - Unama

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www.nead.unama.br<br />

vida outro sistema, outro regime inteiramente oposto ao que dera conveniente<br />

educação aos seus dotes naturais, e criara nela o gosto pelas coisas do espírito, que<br />

a suas inclinações tornaram de fácil aquisição.<br />

Maurícia sentou-se numa poltrona no gabinete, onde passara a noite.<br />

Combalida de tantas impressões, o cansaço e a luta interior puderam vencê-la,<br />

quando ela mais se preparava para refletir sobre a gravidade da conjuntura atual.<br />

Adormeceu ali mesmo.<br />

Uma cena curiosa representava-se nesse momento à beira do rio, que banha<br />

a povoação de Caxangá, e Paulo era dela espectador mudo e abalado.<br />

Deixando os negros no serviço, fora ele tomar banho à sombra de umas<br />

árvores copadas, juntos das quais passava o rio. O ponto era inteiramente ermo. À<br />

direita, morriam os canaviais e à esquerda estendia-se um capinzal vasto. Corriam<br />

pelo meio as águas, deixando do lado do engenho, entre elas e as últimas touceiras<br />

de cana, uma pano de área descoberto; lambiam as raízes salientes do arvoredo; e<br />

desapareciam obra de cem passos adiante por baixo de uma vegetação aquática<br />

muito cruzada e basta, que se confundia no capinzal.<br />

Antes de descobrir a natural banheira formada pelo rio, Paulo ouviu o ruído de<br />

vozes e o ressoar de risos esganiçados, que não lhe pareceram de todo estranhos.<br />

A natural curiosidade o fez cauteloso. Abaixou-se algum tanto, e por entre as folhas<br />

das canas descobriu o ponto donde vinham tais rumores. Eis o que viu. Estavam<br />

dentro da água um homem e uma mulher. Brincavam, riam-se, mergulhavam e<br />

davam cambapés estrepitosos. Quando a mulher gritava com mais força, ou fazia<br />

nas águas mais barulhos, o homem recomendava-lhe moderação e silêncio; mas<br />

não tinham essas recomendações a menor importância para ela, que prosseguia<br />

com os seus movimentos agitados e aumentava o diapasão das suas vozes.<br />

Do lugar onde estava, não pode Paulo saber quem eram os desconhecidos. As<br />

árvores cobriam com sombras todo o âmbito das águas onde eles procediam àqueles<br />

violentos exercícios, e a distância não era pequena. Paulo, entretanto, começou a<br />

sentir maior curiosidade em reconhecê-los. Por ali perto, não se apontavam<br />

moradores, e até lhe pareceu digno de nota que tais pessoas, não sendo da<br />

redondeza, soubessem que havia essa banheira só conhecida da gente do engenho<br />

ou de quem tinha a liberdade de atravessar os canaviais e as lavouras. Mas ao<br />

mesmo tempo em que desejava conhecer os folgazões, o seu natural pudor vedavalhe<br />

empregar os meios mais prontos para chegar a este conhecimento. Pensava já em<br />

voltar, quando um ruído mais forte e uma gargalhada mais vibrante chamaram<br />

novamente a sua atenção para a banheira. Fora o caso que a mulher correra de<br />

destro das águas para fora em busca do pano de areia, que vinha morrer poucos<br />

passos diante do ponto onde ele estava oculto. A mulher, correndo, parando, tornando<br />

a correr e olhando para trás, atravessou todo o espaço que havia descoberto. Paulo<br />

viu-a, em toda a nudez natural, de frente para ele; e logo que, saindo da sombra, a luz<br />

do sol pode cair em cheio em cima dela, reconheceu a Janoca. O espanto, a que esta<br />

visão deu lugar em seu espírito, subiu de ponto, quando ele ouviu a homem chamar<br />

por ela em voz mais elevada. Era a voz de Bezerra.<br />

— Sai daí; volta — disse Bezerra. Olha que pode vir gente.<br />

— Que é que tem? — retorquiu a mestiça com disfarce impudente.<br />

— Não quero; não quero que alguém te veja.<br />

— Quero eu.<br />

— Volta, Janoca.<br />

— Venha você buscar-me. Tenho já frio e o sol está muito bom.<br />

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