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Marginalia - Curso Objetivo

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- Minha netinha, quem deve saber disso é minha filha, a Lua; é ela quem percorre<br />

todos os descampados; é ela que nos beija, é ela que nos ama; deve ser, portanto, ela, quem o<br />

saberá. Espera, minha netinha, que ela venha, pois não tardará.<br />

Como nas clássicas histórias da Princesa Scheherazade, parece, leitores amigos, que<br />

a aurora vem rompendo; devemos por isso interromper a narração para continuá-la na noite<br />

seguinte. Deixamos de pôr aqui o habitual "continua" dos romances-folhetins, que os jornais<br />

trazem para o gáudio dos seus leitores artísticos, mas sem deixar de contar dentro de uma<br />

semana como se chega ao país dos Campos Verdes...<br />

Hoje, 8-5-1919.<br />

CONTOS E HISTÓRIAS DE ANIMAIS<br />

Os animais domésticos, domesticados e selvagens, sempre entraram em toda e<br />

qualquer literatura, quer na popular, quer na anônima, quer na pessoal e cultivada. Desde<br />

muito cedo que os homens se associaram aos animais para fazer a sua jornada na vida. Seja<br />

como simples companheiros, seja para sacrificá -los, a fim de obter alimento, eles sempre<br />

viveram entrelaçados aos sonhos e devaneios da humanidade. Comte incorporou, com aquela<br />

sua generosidade de filósofo pobre, orgulhoso e bom, certos animais à própria Humanidade; e<br />

Buda, o iluminado Çakia-Muni, não admitia o sacrifício de nenhum para sustento do homem.<br />

Os paladinos, os altissonantes de alma e couraça, os "preux" esforçados das batalhas,<br />

dos combates singulares, das justas e torneios medievais, batizavam os seus ginetes de guerra<br />

com nomes flamejantes e significativos que ainda vivem na literatura e na memória<br />

dos homens. Reinaud de Montauban, um dos quatro filhos d'Aymon, tem Bayard, o melhor<br />

corcel da cristandade; Rolando, o paladino dos paladinos, tem Neillantif, o "bon cheval<br />

courant" da sua imortal gesta; e todos os outros guerreiros de antanho possuem os seus<br />

"destriers" bem crismados e extremados da turbamulta dos cavalos anônimos. Os troveiros, os<br />

trovadores, os "clercs", que lhes contaram as façanhas nas festas, crônicas e romances, e as<br />

conservaram para a nossa atual edificação, só lhes viram as aparências, os aspectos de<br />

bravura, de ímpeto, de ardor, mas não nos deram as suas qualidades irredutíveis de caráter, de<br />

coração e inteligência - a sua alma, enfim.<br />

Foi preciso que Cervantes nos pintasse o doce e resignado Rocinante, esse hipogrifo<br />

cheio de candura que suportava candidamente os arrebatamentos do sonho generoso de justiça<br />

do seu amo e amigo, para que o cavalo entrasse na literatura com a posse de sua alma<br />

individual. Rocinante não se parece com outro qualquer cavalo; ele é unicamente o corcel de<br />

D. Quixote.<br />

Além deste animal, quem não se lembra do irrequieto e falador papagaio de<br />

Robinson Crusoé? Dessa ave doméstica, em geral maçante, mas que no livro de Crusoé nos<br />

parece tão simpática, a minorar, a quebrar o isolamento que oprime o seu companheiro da ilha<br />

deserta, dando-lhe a larga visão da sociedade e dos homens - quem não se lembra dela?<br />

Podia ainda falar no "Roman de Renard", das fábulas, dos poemas hindus, mas meu<br />

propósito é outro e não convém perdê-lo de vista, para exibir leituras ou erudição.<br />

A mistura dos animais com os deuses, seja como atributos de sua força e do seu<br />

poder, seja com qualquer outro sentido, é coisa fácil de verificar em todas as religiões. Na

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