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Marginalia - Curso Objetivo

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- Que sede!<br />

O macaco precavidamente afastou-se e, logo que se pôs fora do alcance da terrível<br />

comadre, acudiu escarninho:<br />

- Admiraste-te! Pois desde que surra te meti, água jamais bebi!<br />

A vingança da onça foi mais uma vez adiada. Como esta, muitas outras passagens<br />

desta curiosa luta são contadas pelas pessoas do povo e eu tenho ouvido diversas. Além da<br />

que aí vai, possuo escritas mais algumas, que não reproduzo agora para não me tornar<br />

fastidioso.<br />

Hoje, 16-4-1919.<br />

UM DOMINGO DE PÁSCOA<br />

Na Guerra dos Mundos, de Wells, quando os marcianos já estão de posse de quase<br />

toda Londres, em uma das praças da cidade, eles topam com um estranho espetáculo que os<br />

faz parar de admiração, em cima de suas máquinas que a nossa mecânica não saberia nem<br />

conceber. É que encontram no largo, creio que fazendo roda, um troço de vagabundos, de<br />

falidos sociais de toda espécie, que cantam, folgam e riem, despreocupadamente, enquanto<br />

todos fogem diante dos habitantes de Marte, com o seu terrível raio de calor, as suas máquinas<br />

de guerra e o seu asfixiante fumo negro...<br />

De noite, pelas primeiras horas de treva, quando me recolho à casa e subo a ladeira<br />

que é a rua em que ela está, se encontro crianças, brincando de roda, eu me lembro dessa<br />

passagem do extraordinário Wells. Durante as cinco ou seis horas que passei no centro da<br />

cidade, tudo o que conversei, tudo o que ouvi, tudo o que percebi nas fisionomias estranhas,<br />

foram graves preocupações. Não são já as de dinheiro, não é tanto o maximalismo que<br />

amedronta os pobretões, não é também a fórmula Rui-Epitácio que abala o povo e faz cansar<br />

os lindos lábios das mulheres. Meu pensamento vem pejado de questões importantes, algumas<br />

para mim unicamente, e outras para os meus descendentes, que não terei.<br />

Subo a ladeira e logo dou com uma roda de crianças a cantar:<br />

Ciranda, cirandinha!<br />

Vamos todos cirandar!<br />

Vamos dar a meia-volta,<br />

Volta e meia vamos dar!<br />

Para ouvi-las, paro um pouco, e, continuando a voltear, as meninas e infantes<br />

emendam:<br />

O anel que tu me deste<br />

Era vidro e se quebrou;<br />

O amor que tu me tinhas<br />

Era pouco e se acabou!<br />

Parado ainda, considero aquela dúzia de crianças de várias origens e diversa<br />

pigmentação, pondo-me a pensar na importância de tanta coisa fútil que me encheu o dia, para

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