Marginalia - Curso Objetivo
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E depois deste primeiro amante, seguem-se outros equivalentes, e e "sorte grande" o<br />
amásio rico e gastador constante.<br />
Não é pois admirável que uma inteligência lúcida espere retirar de tão degradante<br />
estado as fortunas que, por exemplo, homens medíocres sabem sacar de oportunidades,<br />
"convênios, defesas, valorizações, auxílios às usinas de açúcar" e outros sutis expedientes<br />
honestos da gente progressista de São Paulo.<br />
Os homens têm tais recursos, dirão; mas as mulheres?<br />
Que procurem tais homens, pois, para elas, são eles muito fáceis. Anita faz isto,<br />
dir-me-á Teo. Não, meu caro; ela mata e rouba, sem necessidade de tal. Mas... vi que aí seria<br />
discutir o livro no meu ponto de vista - o que é coisa bastante impertinente, senão idiota.<br />
Tenho que aceitá-lo tal qual é, em bloco; e olha, nada perde com isto.<br />
Há, no novo romance de Teo Filho, e talvez o próprio autor não tenha percebido, um<br />
aspecto que o torna notável e muito me interessou. É como ele mostra o mecanismo espiritual<br />
pelo qual se dá esse estranho fenômeno do caftinismo, essa abdicação da vontade da mulher,<br />
toda inteira, na de um homem, esse domínio de corpo e alma do rufião sobre a meretriz, esse<br />
ascendente, quase sempre unicamente determinado por laços psicológicos, em que não entra a<br />
mínima violência.<br />
Teotônio analisa muito bem como uma mesquinha alma de mulher, abandonada no<br />
vício, perdida, já meio-criminosa, sente o vazio ao redor dela e tem medo desse vácuo moral,<br />
espiritual e sentimental. Ah! Essa solidão...<br />
Não terá mais afeições, e as que vai obtendo aqui e ali, só são mantidas graças à<br />
ignorância do seu verdadeiro estado, dos seus antecedentes; e, por mais que ela possua força<br />
de amor em uma delas, está certa que o resfriamento virá, desde que o afeiçoado saiba quem<br />
ela é. Só lhe resta o cáften. É ele o seu único apoio moral, a única alma que se interessa, sem<br />
indagação, por ela, e a aceita como ela é. No caso, é Plomarck. Estranha Cavalaria... Ela o<br />
ama? A bem dizer, não; mas precisa dele no mundo, na vida, onde uma mulher, ao que<br />
parece, não pode existir sem o apoio de um homem qualquer, seja ele marido, pai, irmão,<br />
filho, amante ou mesmo cáften.<br />
Sob este aspecto, o livro é notável como análise de um dos mais curiosos fenômenos<br />
da psicologia mórbida dos nossos tempos. Não afirmo que seja peculiar à época atual, pois há<br />
quem diga que ele é tão geral entre judeus, pelo simples motivo de que o Velho Testamento<br />
está recheado de exemplos de alguma coisa análoga e são conhecidos de nós todos; mas, seja<br />
como for, com dados atuais, a análise é sagaz no livro de Teotônio.<br />
Anita e Plomarck, aventureiros - é um livro singular e curioso por todos os aspectos<br />
que se o encare. Descrevendo esse meio de "parvenus" e "toquées". de todos os países e côres;<br />
desenrolando-se quase todo nas paisagens delambidas e ajeitadas, "ad usum Delphini", da<br />
Côrte D'Azur; retratando a estupidez de recentes ricos, de damas "chics" e gatunos de alto<br />
coturno, que não atinamos para que roubam; evidenciando o sáfaro de todos eles - a novela<br />
nos prende pela estranheza do assunto, e sempre pela vivacidade dos matizes que o autor<br />
emprega nas breves e firmes descrições de que está cheio. É, de fato, um livro: e basta isto,<br />
creio eu, para torná-lo digno de atenção.<br />
A.B.C., 16-2-1918.<br />
ELOGIO DO AMIGO