Marginalia - Curso Objetivo
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A CONVITE de meu amigo e confrade Dr. Ranulfo Prata, clínico nessa localidade<br />
de Mirassol, que fica nos confins de S. Paulo, atraído também pelo seu nome pitoresco,<br />
embarquei para ela, na Central, em 1 de abril.<br />
Tomei logo lugar no vagão de 1.a classe - uma hora antes da partida. É meu primeiro<br />
aborrecimento não caber o meu calhambeque de mala debaixo do banco. Prevejo que terei que<br />
viajar com o azedume do companheiro de defronte, por causa do tropêço que ela lhe vai<br />
causar às pernas.<br />
Ei-lo que chega. É um rapaz simpático. Tem ar de ser de origem italiana. Possui<br />
mesmo uma forte cabeça romana. Fico contente, tanto mais que não se aborrece com a mala.<br />
Ainda bem. Tendo eu ficado nos bancos que estão imediatamente próximos à porta, o<br />
vis-à-vis é obrigatório.<br />
Há, portanto, ainda dois lugares disponíveis. Olho a plataforma. Há uma agitação<br />
que não é do meu gosto. Até automóveis com malas postais e medas de jornais e revistas<br />
penetram nela. Vejo passar uma família de imigrantes em fila índia, guardando a escala de<br />
crescimento e da hierarquia doméstica. Na frente o pai, carregando um grande saco, curvado;<br />
depois, a mulher, com um bebê ao colo; seguem-se os filhos e filhas, na ordem da idade,<br />
carregando sacos, O último, uma criança de seis anos, de um louro sujo, leva na mão esquerda<br />
um saco e, na direita, erguida, uma garrafa quebrada.<br />
Que será? Mete-me pena aquilo. Devem ser russos ou polacos. Por que deixaram a<br />
sua aldeia ou cidade? Foi a guerra. Maldita seja a guerra!<br />
Estes meus pensamentos são interrompidos pela chegada de dois outros passageiros<br />
para os lugares restantes que me cercam. Não se sentam logo. Procuram com o olhar um<br />
amigo no carro. Encontram-no. Tratam com o "romano" a troca do lugar dele com o do amigo<br />
descoberto. É o Mário. Parece pessoa poderosa e rica. Sentam-se. O que me ficou defronte,<br />
mostra incômodo com a mala. Pergunta -me por que não a ponho debaixo do banco.<br />
Explico-lhe a razão; ele não esconde, entretanto, a contrariedade com semelhante<br />
vizinhança.<br />
Põem-se a conversar. O amigo "descoberto" e o mais animado no falar. Fala mal<br />
dos cigarros pobres e alude a altos negócios de contos de réis. Envergonho-me da minha<br />
pobreza e dos meus humildes cigarros. Arrependo-me da viagem ou, antes, de não ter tomado<br />
a segunda classe. É o meu lugar. Entretanto, vi que, para ela, se dirigiam tantos russos,<br />
alemães, italianos, etc., mal vestidos, barbados, que, talvez, antes de 1914, fôssem tão ricos<br />
como aquele poderoso senhor que fala mal dos cigarros, cigarros dos outros. Isto me faz rir<br />
interiormente da sua presunção e do seu fumo.<br />
Na portinhola, aparece-me o G., bacharel da Bahia, alegre, satisfeito, muito<br />
confiante em si. Invejo-o, eu tão tímido! Chegam amigos e meu irmão. Alegria. Um dos meus<br />
amigos conhece o vizinho de vis-à-vis.<br />
Vão-se.<br />
Já me olha o fronteiro com mais simpatia e não mostra tanto aborrecimento com a<br />
mala.<br />
Estou encostado à portinhola e o viajante da esquerda, que também tem horror aos<br />
"mata-ratos", está coberto com um encardido chapéu de palha.<br />
O meu é novo em folha.<br />
Consolo-me. O trem põe-se em movimento. Os meus vizinhos desandam a conversar<br />
vivamente.<br />
O de defronte, o que agora me olha com simpatia, me parece médico; os outros dois,<br />
políticos.<br />
A conversa se generaliza.<br />
Tratam de coisas eleitorais.