Marginalia - Curso Objetivo
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O que estranho no autor de um livro tão digno, como é Coivara, é a admiração que<br />
parece ter por Oscar Wilde e se traduz em frases quentes no seu conto "A Noiva de Oscar<br />
Wilde".<br />
Esse Wilde que se intitulava a si mesmo - "King of Life", "Rei da Vida" - não<br />
passou antes de "Reading" de nada mais do que o "Rei dos Cabotinos".<br />
Com uma singular sagacidade, ele soube conquistar a alta sociedade de sua terra,<br />
expondo-lhe os vícios e, ao mesmo tempo, os justificando com paradoxos, nem sempre de<br />
bom quilate. As suas obras são medíocres e sem valimento. Às vezes até, com uma<br />
originalidade duvidosa, mesmo nos paradoxos. Faltou a Wilde sempre o senso da vida,<br />
sentimento do alto destino do homem, a frescura e a ingenuidade do verdadeiro talento, a<br />
grandeza da concepção e a força de execução.<br />
Ele é um mascarado que enganou e explorou toda uma sociedade, durante muito<br />
tempo, com arremedos, trejeitos e "poses" de artista requintado. Queria distinções sociais e<br />
dinheiro.<br />
Para isso, lançou mão das mais ignominiosas ousadias, entre as quais, a de ostentar o<br />
porco vício que o levou ao cárcere. Aí, ele despe-se do peplo, tira o anel da múnia do dedo,<br />
põe fora o cravo verde, perde toda a basófia e abate-se. Dostoiewsky passou alguns anos na<br />
Sibéria, num atroz presídio, entre os mais inumanos bandidos que se possa imaginar, e não se<br />
abateu...<br />
A sua vaidade, a sua jactância, a sua falta de profundo sentimento moral, o seu<br />
egoísmo, o seu narcisismo imoral obrigaram-no a simular tudo que ferisse e espantasse a<br />
massa, para fazer sucesso, até esse imundo vício que o levou à prisão de "Reading". Ao que<br />
parece, ele em si não era portador de tal tara. Adquiriu-a para chamar a atenção sobre si. Era<br />
elegante... Não é um artista, nem grande, nem pequeno; ele é um egoísta simulador de talento<br />
que uma sociedade viciosa e fútil impeliu até ao "hard labour". Tudo nele é factício e<br />
destinado a causar efeito. Não tenho todo o processo a que foi submetido; mas possuo grandes<br />
extratos que vem na obra do Dr. Laups - Perversion et perversité sexuelles - prefaciada por<br />
Zola. Pelas leituras deles, é que afirmei sobre ele o que acima fica dito.<br />
Toda a sua jactância, todo o seu cinismo em mostrar-se possuidor de vícios refinados<br />
e repugnantes, toda a sua vaidade - tudo isso que o arrastou à desgraça, - talvez tenha dado um<br />
bom resultado. Sabe qual é, meu caro Dr. Cruls? É tê-lo feito escrever o De Profundis. A vida<br />
é coisa séria e o sério na vida está na dor, na desgraça, na miséria e na humildade.<br />
A edição do Coivara é primorosa, como todas da Livraria Castilho, desta cidade.<br />
A.B.C., 23-7-1921.<br />
HISTÓRIA DE UM MULATO<br />
O livro do Sr. Enéias Ferraz - História de João Crispim - aparecido recentemente,<br />
apesar de umas ousadias fáceis que a sua mocidade desculpa, é obra de mérito que merece ser<br />
lida.<br />
É livro de um tipo só, porque os outros, mesmo o do poeta Afonso Pina, mais<br />
longamente estudado, ficam apagados diante da força com que o autor analisou o seu<br />
personagem central; e essa análise é feita - pode-se dizer sem favor algum - é feita com<br />
grande cuidado e rara lucidez.<br />
Trata-se de um rapaz de cor, de grande cultura, egresso de toda e qualquer<br />
sociedade, menos da das bodegas, tascas e prostíbulos reles.