Marginalia - Curso Objetivo
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Achei o seu romance raro, vivo, muito natural, perfumado de graça, à Willy; enfim,<br />
uma pintura da vida pernambucana com todos os aspectos de fidelidade, tanto no que toca às<br />
almas, como no que se refere ao ambiente em que elas se moviam; e tudo isto sem pedantismo<br />
de frase ou exibições de uma sabedoria de empréstimo.<br />
Agora, tenho em mãos, e acabo de ler, um novo livro seu, escrito de colaboração<br />
com o Sr. Robert de Bedarieux, que deve ser um autor extraordináriamente novo. É o Anita e<br />
Plomark - aventureiros.<br />
Confesso que a leitura deste não me deixou tão forte impressão quanto a do outro. O<br />
par de aventureiros agita-se em um meio de "rastas" parvos, de patifes de toda a sorte e<br />
origem, de gente que perdeu a alma ou nunca teve uma, formando uma corja que pode ser<br />
"sui-generis", mas que me é visceralmente antipática. Perdôo os criminosos declarados; são<br />
menos cínicos.<br />
Não posso compreender nem perdoar semelhantes vagabundos de caso pensado, a<br />
vida desses inúteis sem desculpa alguma, desses estéreis de todos os modos, sem nada de<br />
sério na cabeça, sem uma paixão, sem uma mania, sem se intimidarem diante do mistério da<br />
vida e sem uma ingenuidade sequer. São espíritos perversos demais e o cansaço da vida não<br />
lhes vem do trabalho próprio, nem dos seus ancestrais, mas de uma inata maldade aliada a<br />
uma perfeita incompreensão das altas coisas da natureza e da humanidade.<br />
Para os machos como tais, o "gato de nove caudas" ou a roda das penitenciárias;<br />
para as fêmeas como essa Anita, que Teo parece querer exaltar, só lhes desejo a guilhotina. A<br />
"Nouvelle" seria menos gentil.<br />
A prostituição na mulher é a expressão de sua maior desgraça, e a desgraça só<br />
merece compaixão quando é total, quando é fatal e nua. Não gosto dos disfarces, das<br />
intrujices, das falsificações e, sobretudo, do aproveitamento dessa sagrada marca do destino,<br />
para ludibriar os outros.<br />
A prostituta só é digna da piedade e respeito dos homens de coração, quando ela o é<br />
em toda a força do seu deplorável estado, quando ela sabe com resignação e sofrimento arcar<br />
declaradamente com a sua tristíssima condição. Não é assim a heroína do romance de Teo<br />
Filho; não é mesmo o que os venezianos da Renascença chamavam, com tanto respeito, uma<br />
hetaira "onesta", isto é, a cortesã eivada de arte, ensopada de poesia, com certo desinteresse<br />
natural e, talvez, uma tal e qual generosidade espontânea.<br />
Ao contrário, Anita, como em geral, as mulheres públicas da nossa sociedade<br />
burguesa, é de uma estupidez assombrosa e sem nenhum traço superior de coração ou<br />
inteligência.<br />
Os fisiologistas às vezes, para vencer certas dificuldades, estudam de preferência o<br />
órgão doente para lhe descobrir a função em estado normal; por Anitas e outras, nós<br />
poderíamos muito bem estabelecer o funcionamento normal da mentalidade feminina na nossa<br />
sociedade.<br />
O assassínio que ela pratica tem tanto de útil quanto de estupidamente executado.<br />
Há mesmo quem diga que, a não ser por defeito orgânico, a mulher só se prostitui<br />
por estupidez. Não será tanto assim, mas há muitos estados intermediários entre a senhora de<br />
família e a meretriz, estados que as mais atiladas aproveitam muitas vezes para sair da<br />
prostituição declarada.<br />
É verdade que a riqueza e o luxo tentam, mas o luxo e a riqueza, quando verdadeiros<br />
e francos, são acidentes na carreira das hetairas.<br />
Geralmente, o primeiro amante não é o velho rico da lenda. É da camada delas, dos<br />
seus recursos, mais ou menos; e as raparigas do prazer se recrutam, em geral, nas modestas<br />
classes.<br />
Creio que foi Maxime du Camp quem demonstrou isto em um estudo sobre a<br />
prostituição em Paris.