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Marginalia - Curso Objetivo

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Nessa parte a obra é de uma rara virtuosidade de execução que às vezes peca pela<br />

exuberância do detalhe. À grande tela em que o autor trabalhou com ciência e vigor, não<br />

faltou nenhuma pincelada para o seu bom acabamento. Não só os personagens principais e<br />

secundários; mas as cenas domésticas, as das indústrias agrícolas próprias à fazenda, o Sr.<br />

Veiga Miranda não se limita a esboçá-las rapidamente. Ele as acaba e as arredonda<br />

suavemente.<br />

Não me lembro de autor moderno nosso que seja tão cuidadoso nesse ponto como o<br />

autor do Mau Olhado. Vejam só este trecho que trata do empalhamento de rapaduras:<br />

"Ao longo da mesa, à sua frente (do padre Olívio, filho de fazendeiro) à sua direita e<br />

à esquerda, os antebraços das mulheres agitavam-se, de mangas arregaçadas, envolvendo as<br />

rapaduras, enlaçando as embiras, dando os nós fortes. O padre ficou entre a madrasta (Maria<br />

Isolina) e a Placidina, filha do Laurindo Bravo, a destemida virgem selvagem que se entregara<br />

por um ímpeto carnal ao mais valente tropeiro do sertão, matando-o pouco depois, como as<br />

abelhas rainhas, e trazendo para a casa, dentro do seio, as duas orelhas ainda sangrentas. E, à<br />

sua frente, ficavam as duas primas mais velhas, Leonor e Gabriela, ladeando como sempre a<br />

figura alegre de Ismênia, com o seu rosto comprido, sardento, e o nariz acarneirado, um todo<br />

de traços meio masculinos, puxando muito aos do pai.<br />

"Iaiá, (a filha, mais velha do fazendeiro) não tomava parte na tarefa noturna.<br />

Continuava a caber-lhe a mordomia da casa, desempenhada ainda com grande exibição de<br />

atividade e meticulosos zelos. Mandava logo ao começo uma bandeja de café, servido<br />

primeiro aos dois compadres e a Lelé (que andava agora nas boas graças de ambos, cercado<br />

cada vez de maior consideração, depois que os convencera de que salvara Maria Isolina), e<br />

depois transitado ao longo da mesa pelas empalhadeiras. E daí a pouco mandava colocar sobre<br />

a mesa, em vários pontos, travessas e peneiras cheias de pipocas.<br />

"Olívio adestrou-se em pouco tempo no mister que lhe designaram. Escolhia para a<br />

madrasta as palhas mais macias, receando que o contato das outras a arrepiasse,<br />

desembaraçava as embiras, uma a uma, com cuidado, ajudando-a até a enlaçar com elas os<br />

molhos já formados. Maria Isolina repreendia-o de quando em quando, brincalhona, por uma<br />

demora, pelo defeito de uma palha, falando-lhe com vivacidade infantil, os olhos brilhantes,<br />

parecendo mais largos sob a luz forte do lampião belga.<br />

"Olívio, de fato, se deixava apoderar, com intermitências, por uns alheamentos<br />

esquisitos, etc., etc."<br />

Maria Isolina, a madrasta, que casara muito moça com o fazendeiro, o alferes<br />

Malaquias, depois do primeiro contato matrimonial, violento e animal, num pouso de<br />

caminho, se tomara de uma invencível repugnância pelo marido e viera a adoecer duradoura e<br />

inexplicavelmente depois do primeiro e único parto mal sucedido.<br />

Após a chegada do enteado, Olívio, que saíra padre, do seminário de Mariana, feio e<br />

cheio de espinhas, tímido e triste, a moça alquebrantada se apaixonara secretamente por ele.<br />

Uma quadrinha que há no romance, tenta dizer o indefinido mal dessa parada de sentimento:<br />

Sina do meu coração,<br />

Fui aprender a amar bem cedo,<br />

E guardar a vida inteira<br />

Esse amor como um segredo.<br />

O autor, com muito relevo e habilidade, gradua esse sentimento da sinhá dona da<br />

"Boa Esperança" e o marca por gestos e palavras muito expressivos.<br />

Nessa mesma passagem do empacotamento de rapaduras, ao descobrir que o padre<br />

estava fornecendo embiras a Placidina, apossa-se de Isolina uma raiva súbita que a leva a<br />

expulsar, sem motivo nem causa, do serão, a pobre agregada.

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