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Marginalia - Curso Objetivo

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Quem viver, verá!<br />

Um outro escritor que, com raras qualidades, parece ainda estar à procura do seu<br />

caminho, é o Sr. Adelino Magalhães.<br />

Há nele uma grande capacidade de observação até ao mínimo detalhe, à minúcia; é<br />

vivo e ligeiro; tem grande originalidade no dizer; mas lá vem o "mas"! - o Sr. Adelino<br />

Magalhães não quer ver nada além dos fatos concretos, atém-se às aparências, pretende ficar<br />

impassível diante do Tumulto da vida (é o título de sua última obra) e não o perfuma de<br />

sonho, de dor, de piedade e de amor.<br />

A sua estética é muito cruel e primitiva; os seus contos ou antes, as suas "tranches de<br />

vie" têm alguma coisa de bárbaro, de selvagem, de maldade inconsciente. Contudo, o seu<br />

livro tem um grande merecimento: é próprio, é original. O trabalho com que o abre - "Um<br />

prego! Mais outro prego! ..." - é sobre todos os aspectos notável, apesar do abuso da<br />

onomatopéia - Pan! Pan!<br />

É uma dificuldade passar de autor tão impulsivo, como é o Sr. Adelino Magalhães,<br />

para um escritor laborioso, cauteloso, prudente, tal qual se nos apresenta o Sr. Nestor Vítor.<br />

Se Adelino é todo arremesso, o Sr. Nestor é a cautela em pessoa - o que bem condiz<br />

com o seu nome.<br />

Se há defeito no seu último livro - Folhas que ficam - deve provir desse seu feitio de<br />

ser. Há falta de espontaneidade. É um livro de reflexões esparsas a que o autor tentou<br />

coordenar em várias partes, mas que só ele mesmo poderá justificar semelhante coordenação.<br />

Ninguém pense que o Sr. Nestor as mandou para o livro tal qual elas saíram do<br />

primeiro jacto da sua pena ou do seu lápis.<br />

O autor da A Crítica de Ontem é muito filósofo para não fazer semelhante tolice.<br />

As suas reflexões e observações são pensadas e repensadas. Há algumas profundas e<br />

irônicas; outras, amargas; outras, céticas. Há muitas morais e muitas sociais. A observação<br />

sobre o nosso "doutor" é aguda e perfeita; a reflexão sobre o "Marimbondo metafísico" é de<br />

uma ironia acerada e do melhor quilate; e assim é quase todo o livro.<br />

Não é possível lê-lo de um hausto; requer vagar e tempo, porque, se ele faz sorrir,<br />

faz também meditar e provoca inevitavelmente o aparecimento, na inteligência do leitor, de<br />

pensamentos contíguos ao do autor, desdobrando-se aqueles em outros diferentes, até<br />

perder-se a origem de que eles provieram.<br />

Espécie de obra muito rara na nossa produção literária, o trabalho do Sr. Nestor<br />

Vítor dá-lhe um lugar à parte nas nossas letras.<br />

É com estas palavras da mais pura satisfação que fecho esta crônica, com a qual me<br />

desobrigo dos compromissos que contraí com tantos autores e amigos.<br />

Possam todos eles crer que a leitura de suas obras foi nesta minha quinzena de<br />

"férias" o máximo encanto do meu voluntário recolhimento.<br />

Gazeta de Notícias, 6-12-1920.<br />

URBANISMO E ROCEIRISMO

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