Marginalia - Curso Objetivo
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O de chapéu de palha encardida, cuja profissão não é denunciada à primeira vista, é<br />
o mais velho dos três. Da maneira que fala de coisas de urna, percebo que é um velho<br />
politicão da roça que tem passado de partido para partido, do conservador para o liberal, de<br />
Fagundes para Bernardes, deste para Bertoldo, sem conseguir ser ao menos deputado de<br />
Niterói.<br />
Fala de coisas de capangas, de falsificações de atas, de distúrbios eleitorais, como se<br />
tudo isso fosse a coisa mais natural deste mundo.<br />
O vizinho, que aprecia os cigarros caros, secunda-o nas suas apreciações. Explica<br />
por que o Maurício, o de Lacerda, não foi diplomado. É que o fogoso tribuno quis abarcar o<br />
mundo com as pernas. Dividiu os esforços por três Estados.<br />
Se os tivesse concentrado no seu município, certamente venceria o Henrique.<br />
Chega um outro chefe eleitoral. Esse parece não ter título algum, nem mesmo de<br />
patente da Guarda Nacional.<br />
Percebo que é coletor federal. A conversa eleitoral toma novo alento. As tricas e os<br />
truques de tão odiosa instituição são explicados.<br />
Não compreendo nada dessa conversa de influências da roça; mas fico a pensar:<br />
como é que gente tão rica, poderosa e influente, pode conversar tanto tempo e não ter uma<br />
idéia, uma reflexão sobre o atual estado angustioso do mundo?<br />
Chegamos a Belém. Olho a plataforma da estação. Vejo o bacharel G., o bacharel da<br />
Bahia, passar com uma graúda italiana muito clara. Vai falando alto italiano. Todos o olham<br />
com inveja e eu também invejo a sua despreocupação.<br />
A viagem continua.<br />
Careta, 23-4-1921.<br />
II<br />
Até bem pouco, segundo me parece, a capacidade comercial das gentes ribeirinhas à<br />
Estrada de Ferro Central do Brasil consistia em vender frutas, queijos e café aos viajantes dos<br />
comboios que atravessavam as suas terras.<br />
Hoje, porém, as coisas mudaram. Veio o progresso. Já há o carro-restaurante e,<br />
mesmo, pelos carros de passageiros, de onde em onde, atravessa um empregado dele, por<br />
demais disposto a fornecer aos viajantes o que eles quiserem.<br />
Matou o rudimentar comércio dos camaradas do interior; e, com essa morte, não sei<br />
se devido ao progresso ou à moda, desapareceram os guarda-pós.<br />
Quando a primeira vez, em menino, viajei com meu pai em trem de ferro, para<br />
Barbacena, não levar guarda-pó era sinal de lamentável pobreza ou de mau gosto sem igual.<br />
Quem não podia comprar um, pedia-o emprestado, tal qual fiz eu com o<br />
calhambeque da mala que levei e tantos dissabores me fez passar.<br />
Hoje, porém, quem se apresentar no trem com um guarda-pó, por mais caro que seja,<br />
mesmo que seja de sêda, como uma vestimenta chinesa ou japonesa, se não levar vaia, pelo<br />
menos é tomado como roceiro ou coisa parecida.<br />
A moda pede que não se os use e exige até que se viaje com roupas caras e finas.<br />
Dois dos meus vizinhos, no carro, viajavam com caríssimos ternos de linho<br />
imaculadamente lavados e passados a ferro.<br />
Eu tinha posto uma roupa nova naquele dia, para viajar - coisa que não aumentou<br />
nem diminuiu o meu valor.<br />
Entretanto, achei absurdo semelhante moda - deusa, aliás, que é fértil em absurdos.