Marginalia - Curso Objetivo
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Que nós tivéssemos sofrido a ascendência e a influência de Garrett, de Alexandre<br />
Herculano, de Oliveira Martins, de Eça de Queirós e mesmo de Camilo Castelo Branco,<br />
admite-se.<br />
Todos estes, para não falar em alguns outros mais, como Arnaldo Gama, Antero de<br />
Quental, Antônio Nobre, Pinheiro Chagas, Ramalho Ortigão; todos esses dizia são criadores,<br />
de algum modo originais, muitos deles concorreram para reformar a música do período<br />
português, deram-lhe mais números, mais plasticidade, inventaram muitas formas de dizer;<br />
mas, esses dois senhores a que aludi mais acima, sem concepção própria da vida, do mundo e<br />
da história do seu país, não vêm fazendo mais do que repetir o que já foi dito com tanta força<br />
de beleza pelos velhos mestres em glosar episódios de alcova da história anedótica<br />
portuguêsa, para gáudio das professoras públicas aliteratadas.<br />
O Sr. Júlio Dantas não passa de um Rostanzinho de Lisboa que fez A Ceia dos<br />
Cardeais - obra que não é senão um superficial "lever de rideau", sem um pensamento<br />
superior, sem uma emoção mais distinta, "verroterie" poética que fascinou toda a gente aqui e,<br />
creio, também em Portugal.<br />
As suas peças históricas não têm um julgamento original de acordo com qualquer<br />
ideal estético ou filosófico; não traem um avaliador sagaz, ágil do passado; de rigor<br />
psicológico nada têm os seus personagens.<br />
São glosas dialogadas de tradições e crônicas suspeitas, sem uma vista original do<br />
autor, sem um comentário que denuncie o pensador.<br />
Entretanto, num país como o Brasil, em que, por suas condições naturais, políticas,<br />
sociais e econômicas, se devem debater tantas questões interessantes e profundas, nós nos<br />
estamos deixando arrastar por esses maçantes carpidores do passado que bem me parecem ser<br />
da raça desses velhos decrépitos que levam por aí a choramingar a toda a hora e a todo o<br />
tempo: "Isto está perdido! No meu tempo as coisas eram muito outras, muito melhores".<br />
E citam uma porção de patifarias e baixezas de toda a ordem.<br />
Que Portugal faça isto, vá! Que lá ele se console em rever a grandeza passada dos<br />
Lusíadas em um marquês que tem por amante uma fadista, ou que outro nome tenha, da<br />
Mouraria, concebe-se; mas que o Brasil o siga em semelhante choradeira não vejo por que.<br />
É chegada, no mundo, a hora de reformarmos a sociedade, a humanidade, não<br />
politicamente que nada adianta; mas socialmente que é tudo.<br />
Temos que rever os fundamentos da pátria, da família, do Estado, da propriedade;<br />
temos que rever os fundamentos da arte e da ciência; e que campo vasto está aí para uma<br />
grande literatura, tal e qual nos deu a Rússia, a imortal literatura dos Tourgueneffs, dos<br />
Tolstois, do gigantesco Dostoiewsky, igual a Shakespeare, e, mesmo, do Gorki! E só falo<br />
nestes; ainda poderia falar em outros de outras nacionalidades como Ibsen, George Eliot,<br />
Jehan Bojer e quantos mais!<br />
O caminho que devemos seguir, pois nada temos com essas alcouvitices históricas<br />
que o Sr. Júlio Dantas, o Rostanzinho de Lisboa, médico do Regimento de Cavalaria 7,<br />
discreteia pelos palcos com o chamariz da sua elegância e das suas lindas feições tratadas<br />
cuidadosamente, além do anúncio das suas imagens sonoras de carrilhão com que atrai as<br />
devotas.<br />
Compará-lo a Rostand é uma grande injustiça, pois a peça do autor francês que<br />
fascina o autor português é o Cyrano de Bergerac; mas esta obra é, ainda assim mesmo, uma<br />
bela e forte peça no fundo e idéia; não é um simples bródio de prelados cínicos que comem<br />
glutonicamente a fartar e falam de amor, como se não tivessem batina.<br />
Se digo isto do Sr. Júlio Dantas, que direi então desse Sr. Antero de Figueiredo?<br />
Este senhor me parece um marmorista canhestro que fizesse uma "fouille" na<br />
Grécia, de lá extraisse um tronco, uma perna, um braço de um mármore antigo e dele fizesse<br />
um "bibelot".