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Marginalia - Curso Objetivo

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Acabo de ler o novo livro do Sr. Mário Sete - Senhora de Engenho - autor<br />

pernambucano muito justamente apreciado, que, nele, sob a forma de romance, muito<br />

legitimamente e brilhantemente explana e discute essa questão de urbanismo que os nossos<br />

autorizados sociólogos práticos têm posto e semeado pelos jornais em fora.<br />

Não há doutrinação alguma, mas mesmo pelo fato de ser assim, isto é, procurar ele<br />

demonstrar pela ficção e com auxílio dos recursos da novela a necessidade, de abandonarmos<br />

a cidade pela roça, não deixa a obra de sugerir comentários que me parecem oportunos.<br />

É vezo hoje dos nossos economistas, políticos e outra espécie de gente que está,<br />

depois de Deus, encarregada de dirigir os nossos destinos, aconselhar aos que se queixam das<br />

duras condições da vida nas cidades:<br />

- Vão para a lavoura!<br />

O mirabolante aritmético Cincinato assim fala; e o Sr. Veiga Miranda, há bem<br />

pouco, fez a estatística da necessidade de braços nas fazendas paulistas e repetiu o conceito do<br />

seu colega de bancada.<br />

Não há nada mais pueril do que semelhante conselho. Só energias raras podem de<br />

uma hora para outra mudar de profissão e de hábitos. Querer que um tecelão, de uma hora<br />

para outra, se faça capinador de cafezais, é o mesmo que exigir que um médico, do pé para<br />

mão, se faça motorneiro.<br />

De resto, o urbanismo foi criado pelo próprio governo da República, dando<br />

nascimento, por meio de tarifas proibitivas, a um grande surto industrial, de modo a fazer da<br />

longínqua Sorocaba, antigamente célebre pela sua feira de muares, uma pequena Manchester,<br />

como a chamam os paulistas.<br />

Veio depois a megalomania dos melhoramentos apressados, dos palácios e das<br />

avenidas - o que atraiu para as cidades milhares e milhares de trabalhadores rurais.<br />

O governo fez isso e agora quer desfazer. Não é de admirar, porquanto a<br />

característica dos nossos governos é fazer e desfazer.<br />

Há ainda mais, no que toca aos rotos, aos pobres-diabos. Na cidade, eles tem mais<br />

garantia, não estão sujeitos a mandões tirânicos e caprichosos e as autoridades são mais<br />

escrupulosas. Mais ainda: nas cidades, há hospitais, maus é verdade, mas os há. Na roça, não<br />

há nada disso. Uma porção de fatores têm concorrido para o êxodo das populações dos<br />

campos para as cidades; e muitos deles são devidos aos governos.<br />

A cidade é uma necessidade; e uma grande cidade, necessidade maior ainda é.<br />

O campo, a roça é um depósito de preconceitos e superstições sociais. Na cidade,<br />

dá-se o oposto: há sempre uma ebulição de idéias, de sentimentos - coisa muito favorável ao<br />

desenvolvimento humano. O campo é a estagnação; a cidade é a evolução.<br />

Mostra-nos o Sr. Sete, no seu magnífico romance, um moço filho de fazendeiros<br />

pernambucanos - lá se chamam senhores de engenho - que, fascinado pela cidade, vem para o<br />

Rio de Janeiro acabar os estudos começados no Recife. Essa fascinação pelo Rio, sobretudo<br />

por Botafogo e seus complementos, inclusive Petrópolis, é coisa verificada em todos os<br />

moços mais ou menos bacharéis deste Brasil imenso, especialmente os do Norte.<br />

Não leio um romance provinciano em que não note isto. Até no irônico - O Professor<br />

Jeremias - de Leo Vaz, lá está a tal história de Petrópolis.<br />

Nestor, o filho do senhor de engenho pernambucano, como dizia acima, vem para o<br />

Rio acabar os estudos. Como todo bom nortista, trata de cavar um emprego e o quer numa<br />

Secretaria de Estado, para estar bem perto de um Ministro. Como todo bom nortista, ele<br />

consegue a sinecura. Tinha travado conhecimento, a bordo, com um conterrâneo<br />

desenraizado, que o leva à sua casa. Tem uma filha moçoila; ei-lo namorado; pouco depois de<br />

formado, casado; pouco depois de casado, pula de praticante do Ministério da Praia Vermelha<br />

para o de chefe de seção do Ministério da Justiça. Um verdadeiro milagre administrativo que<br />

só os nortistas conseguem realizar, e, às vezes, realizam.

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