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Marginalia - Curso Objetivo

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O pó das estradas de ferro continua a existir, mesmo à noite - por que então suprimir<br />

o capote de brim que resguardava as nossas roupas dele? Por que tornar chique viajar com<br />

roupas impróprias que muito mal se defendem da poeira?<br />

É difícil encontrar razões para os preceitos da moda. A alguém, a quem perguntei<br />

por que usava o paletó aberto com a camisa à mostra, uso que constituiria um sinal de má<br />

educação antigamente, respondeu-me:<br />

- É porque é moda.<br />

Eis um forte motivo que justifica os trejeitos de andadura que fazem as nossas<br />

melindrosas, e a transparência venusina de seus vestidos que tanto indigna o Sr. Peixoto<br />

Fortuna, da Liga Pela Moralidade.<br />

O progresso, como já disse, trouxe a supressão do guarda-pó, sem suprimir o pó das<br />

estradas de ferro; em compensação, porém, graças à sua capacidade de criar profissões<br />

miseráveis, introduziu nos trens o lustrador de botinas dos graúdos do meu estofo que<br />

conseguem viajar na primeira classe.<br />

O Sr. Mário de Alencar, cujo fino talento tanta admiração me causa, já resolveu,<br />

com grande simplicidade de meios e palavras, a questão social; e, em certa ocasião ao meio de<br />

uma grave sessão da Academia Brasileira, de que sou, com os Srs. Pinto da Rocha, Eduardo<br />

Ramos, Almachio Dinis e outros, membro virtual, foi ele que me observou o seguinte:<br />

- Se o progresso traz miséria, em compensação faz nascer outras profissões. Veja<br />

você só os "manicures", os "pedicures", os engraxates, os motorneiros, os "chauffeurs", os<br />

massagistas, os tripeiros, etc. etc. Por ventura existiam essas profissões antigamente? Não há<br />

motivo para maldizer o estado atual da sociedade; ela fabrica necessidades, para criar trabalho<br />

e profissões.<br />

Lembrei-me dessa frase do meu conspícuo amigo e confrade Mário de Alencar,<br />

quando, ainda dentro do Estado do Rio, passando instantes em uma estação, vi agachada, a<br />

meus pés, uma pobre criança que me lustrava, sem aviso algum, e com pressa e mêdo,<br />

naturalmente das autoridades do trem, as minhas modestas botinas.<br />

Dei-lhe um cruzado e bendisse, com o Sr. Mário de Alencar, a organização da atual<br />

sociedade que me fazia tão rico e àquela criança tão miserável e pobre.<br />

O trem partiu e os meus companheiros de viagem voltaram a tomar assento e a<br />

discutir política que, segundo Bossuet, é a arte de dar felicidade aos povos e tornar a vida<br />

cômoda.<br />

Careta, 30-4-1921.<br />

III<br />

O trem corre e se aproxima dos limites dos Estados do Rio e São Paulo.<br />

Os meus vizinhos voltam do carro-restaurante, acompanhados agora de um outro<br />

cidadão que, pela conversa, deve ser coletor federal É um tipo atarracado, quase quadrado e,<br />

pelo que dele ouvi, é muito entendido nesse negócio que os doutores e coronéis do interior,<br />

peões e camaradas, assassinos e simples caipiras chamam pomposamente política.<br />

Essa grande arte de dirigir os povos e as nações é ali reduzida à mais simples<br />

expressão de modestas cifras.<br />

Elas não vão além de mil e é freqüente que os palestradores repitam o milheiro de<br />

várias formas: "porque o Maurício não podia contar com os mil votos que o Fábregas deu ao<br />

Borges; ah! não fosse isso e a intervenção do "centro", ele ganharia". A isto acode um outro:<br />

"não foi tanto pelos mil votos do Fábregas; foi porque ele não soube trazer para o seu lado o<br />

Assunção, que dispõe de outros tantos, mas descarregou-os no Brandão".

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