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Marginalia - Curso Objetivo

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as quais devia ter o transcendente desprezo e a superior despreocupação que aquela meninada<br />

tem e manifesta com seu brinquedo pueril e inocente.<br />

Se faz lua, então eu me lembro de ver o céu, o que raras vezes faço e fiz. Quando<br />

andei fingindo que estudava astronomia, nunca quis observar estrelas pela luneta do teodolito.<br />

Preferi sempre encarregar-me do cronômetro que repousava no chão.<br />

Hoje mesmo, não está em moda olhar o céu. No século XVIII, segundo Fontenelle,<br />

parece que era "chic", até as marquesas faziam-no; e houve uma mesmo, a du Chatelet, que<br />

traduziu Newton e ensinou Física e Astronomia a Voltaire.<br />

Não é toa, portanto, que uns versos postos em baixo da gravura de um seu retrato,<br />

dizem que ela "s'élève dans les airs et le but de ses travaux est d'éclairer les hommes".<br />

Atualmente, porém, não há muito amor às coisas do céu e todos estão preocupados<br />

com as terrenas. A cantoria das crianças, entretanto, faz-me sempre olhá-lo e é então que me<br />

aborreço de não saber o nome das estrelas e das constelações. Já houve tempo, que isto fazia<br />

parte do manual do namorado elegante. Era poético mostrar à amada o Cão, Arturo, Lira, a<br />

Vega, esta sobretudo, nas varandas ou sentado o casal nos bancos do jardim. Flammarion<br />

andava em moda e todo "almofadinha" daquele tempo sabia essa carta de nomes celestes;<br />

hoje, porém, as boas maneiras de um perfeito namorado não pedem tanto e as ingenuidades<br />

são mais apreciadas.<br />

No último domingo de Páscoa, passei eu o dia com um amigo, cuja casa fica em uma<br />

das estações dos subúrbios mais consideradas pela posição social dos seus habitantes e muito<br />

conhecida pelos namoradores. A residência do meu amigo fica longe da estação, dá fundos<br />

para uma montanha que cai quase abruptamente e deixa adivinhar o granito de que é formada,<br />

pelas grandes massas dessa rocha que salpicam a sua vegetação escassa e rala. Quando há luar<br />

e ele dá de chapa nesse costão, aquela paisagem pobre de horizonte fica magnífica, imponente<br />

e grande. Domingo de Páscoa, porém, não houve luar; entretanto, no céu, as estrelas<br />

palpitavam de amor pela terra distante. A falta de luar, para poetizar o quadro, foi suprida pela<br />

presença de um bando de crianças, que, ao lado da habitação, entoavam as suas canções que<br />

devemos chamar infantis, acompanhadas de gestos e meneios adequados. Estive a ouvi-las; e<br />

todas elas me pareceram muito modernas, pois nenhuma era dos meus tempos de menino.<br />

Não é de hoje que essas canções infantis são mais ou menos amorosas e tratam de<br />

casamentos e namorados. Acontecia isso nas antigas, e podia observá-lo nas modernas que<br />

agora ouvia naquele domingo.<br />

A roda era de seis ou oito crianças e o chefe era um menino, Walter Borba Pinto,<br />

com nove anos de idade. Era carioca, mas os seus outros irmãos e irmãs, que estavam na roda,<br />

tinham nascido em vários pontos do Brasil, por onde seu pai andara cumprindo deveres de sua<br />

profissão militar. Guardei diversas cantigas e me pareceu interessante dar alguns exemplos<br />

aqui. Se todas fosse eu transcrever, talvez não chegasse um volume razoável; deixo, portanto,<br />

de parte muitas.<br />

Eis uma delas, que me parece chamar-se "O Marinheiro":<br />

Não me namore meus olhos<br />

Nem meus brincos das orelhas;<br />

Só me namore meus olhos<br />

Debaixo das sobrancelhas.<br />

A seguir, há um estribilho que as crianças cantam, dançando aos pares alguns passos<br />

da valsa chamada - à americana - com balouço característico que o título da canção lembra:<br />

Sou marinheiro!<br />

Sou rei! Sou rei!<br />

Adorador! Adorador!

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