Marginalia - Curso Objetivo
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hoje que este livro nos revela, dá um grande realce à modéstia e pacatez daqueles tempos de<br />
São Paulo. O café ainda não tinha pulado do vale do Paraíba para o do Tietê.<br />
O seu autor - que não sei verdadeiramente quem seja - é um filósofo risonho, sem<br />
piedade e sem ódio, sem paixão pró ou contra, discípulo de Montaigne, que ele cita a cada<br />
passo, vendo tudo, todos os fatos, todos os acontecimentos, a existência toda num plano só no<br />
plano da nossa integral miséria humana.<br />
A natureza não o interessa e nenhum, ou pouco, entendimento tem com as coisas<br />
mudas. É um clássico de alma.<br />
O livro, além de ser dedicado a várias sociedades sábias, inclusive a deliciosa<br />
"Eugência", foi suscitado pelo atual movimento nacionalista.<br />
Hilário Tácito, o autor, diz-se simplesmente fiel cronista dos feitos e proezas de<br />
Mme. Pommery, "née" Ida Pomerikowsky, de Ivã do mesmo nome, domador de feras de<br />
profissão, e de Consuelo Sanchez, noviça espanhola, descendente do famoso padre Sanchez,<br />
creio que jesuíta, autor de um apreciado tratado - De Matrimônio - que, se fosse posto em<br />
vulgar, teria grande sucesso nos colégios de adolescentes púberes.<br />
Consuelo fugiu com o lambe-feras de um convento de Córdova e foram dar<br />
nascimento à futura heroína da crônica, na Polônia ou adjacências.<br />
Após muitas aventuras, avelhantadas, embora moça ainda, gordunchuta, a<br />
descendente polaca do teólogo conjugal vem dar com o costado em Santos.<br />
Hilário Tácito, farto das vás histórias da marquesa de Santos e da Pompadour, viu<br />
que entre elas, as vãs histórias, havia muita coisa com que não se sonhava. Tratou de escrever<br />
o relato da vida de Mme. Pommery. Podia, afirma ele, justificar o seu asserto, se o quisesse<br />
desenvolver, com grande cópia de considerações filosóficas sobre o valor da história, citar<br />
Spencer, Kant e Pedro Lessa e o resto da ferragem de erudição que não se dispensa em<br />
conjunturas semelhantes. Abandonou, porém, tal propósito e desembarcou logo Mme.<br />
Pommery em Santos.<br />
Ela aí chegou como um herói de Carlyle, no seio da nossa trevosa Humanidade;<br />
chegou cheia da "centelha divina", para fazer arder os gravetos da sociedade paulista.<br />
E a "Lecture", donde o autor tira essa comparação, nem de propósito, é aquela em<br />
que se trata do Herói-Divindade; é a de Odin.<br />
Dessa "radiance" celestial de Mme. Pommery vem logo uma grande transformação<br />
no opulento "mundo" do grande Estado cafeeiro.<br />
Segui-la seria repetir o autor - o que não é possível; mas eu mostrarei em termos<br />
gerais como esse "a natural luminary shining by the gift of Heaven" a operou.<br />
Mme. Pommery montou uma usina central produtora e transformadora, com auxílio<br />
de um "coronel" camarada, chamou-a "Au Paradis Retrouvé", a rua Paissandu, donde emitiu a<br />
sua irradiação e baniu daí a cerveja, substituindo-a pela champanha, a 30$OOO a garrafa.<br />
Iniciava a sua missão heróica nas terras do Tietê...<br />
A usina era uma espécie de convento ou colégio, onde ela empregava toda a foôrça e<br />
capacidade de disciplina e rigor monacais da sua ascendência, que, na mãe, tinham dado em<br />
droga, mas que nela haviam ficado como um estigma, hereditário. O autor mesmo diz:<br />
"E ficou, de fato, pelo menos em estado latente, até o dia em que repontou na filha,<br />
claro e forte, como um pendor natural para tudo disciplinar no seu colégio à imitação das<br />
ordens monacais, à força de regimentos, praxes, regras e etiquetas, com que chegou a este<br />
paradoxo de regulamentar os desregramentos de alto bordo por um sistema tão completo e tão<br />
adequado ao nosso caso, que nunca mais necessitou de aperfeiçoamentos, nem de emendas,<br />
nem de retoques."<br />
Era uma espécie de Abbaye de Theléme, não muito igual à de Pantagruel e muito<br />
menos à dos pândegos de Paris, por demais, porém, adequada a São Paulo e, se possível fosse,<br />
ao Rio de Janeiro.