Marginalia - Curso Objetivo
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Não será a culpa abominoso incesto,<br />
Nem violento estupro em virgem pura<br />
Nem menos adultério desonesto<br />
Mas cuma escrava vil, lasciva, e escura.<br />
Vejam bem como Camões diz quem foi a causa do terríbil Albuquerque por na sua<br />
"fama alva, nódoa negra e feia". Estou vendo daqui o Sr. Norton de Matos, quando foi aos<br />
embarques, para a Índia, de Albuquerque, em 1503 (primeira vez), e de Camões, em 1553.<br />
E preciso supor que o Sr. Matos pudesse ser ministro durante tão dilatado lapso de<br />
tempo.<br />
Admitido isso, certamente o ministro havia de recomendar a cada um deles ter<br />
sempre presente à lembrança, a sua prescrição mais ou menos de Deus que larga um qualquer<br />
Adão no Paraíso. E falaria assim: - Olhe, Sr. d'Albuquerque, V.M. foi estribeiro-mor del-Rei<br />
D. João lI, a quem Deus tenha em sua santa guarda; V.M. é um grande fidalgo e deu mostras<br />
em Nápoles de ser um grande guerreiro - não vá V.M. meter-se lá nas Índias com as negras.<br />
Cuide V.M. nisto que lho digo, para a salvação de su'alma e prestígio da nação portuguêsa.<br />
Ao cantor inigualável das proezas e feitos do Portugal glorioso, ele aconselharia<br />
desta forma:<br />
- Sr. Luís de Camões, V.S. é um poeta, ao que se diz, de bom e valioso engenho;<br />
V.S. freqüentou o paço dei-Rei; V.S. versejou para as damas e açafatas da côrte. Depois de<br />
tudo isto, não vá V.S. meter-se lá, nas índias, com as negras. Tome VS. tento nisso.<br />
Não há dúvida alguma que a providência do Sr. Matos é muito boa; mas a verdade é<br />
que os tais Amon, Lapouge, Gobineau e outros trapalhões antropólogos e etnográficos, tão do<br />
paladar dos antinipões, não admitem como lá muito puros os portugueses. Oliveira Martins<br />
também. Dá-lhes uma boa dose de sangue berbere.<br />
Isto não vem ao caso e só tratei de tal por mera digressão, mesmo porque este<br />
modesto artigo não passa de um ajustamento da marginália que fiz às notícias lidas por mim,<br />
nos quotidianos, enquanto durou a questão dos "poveiros".<br />
Era tal a falta de uma segura orientação nos que se digladiavam, que só tive um<br />
remédio para estudá-la mais tarde: cortar as notícias dos jornais, colar os retalhos num<br />
caderno e anotar à margem as reflexões que esta e aquela passagem me sugerissem. Organizei<br />
assim uma Marginália a esses artigos e notícias. Uma parte vai aqui; a mais importante,<br />
porém, que é sobre os Estados Unidos, omito por prudência. Hei de publicá-la um dia.<br />
Contudo, explico por que entram os Estados Unidos nela. O motivo é simples. Os<br />
defensores dos "poveiros" atacam os japonêses e se servem dos exemplos da grande república<br />
da América do Norte no seu proceder com os nipões. Fui estudar alguma coisa da história das<br />
relações yankees com outros Estados estrangeiros; é deplorável, é cheia de felonias.<br />
Lembrei-me também como lá se procede com os negros e mulatos. Pensei. Se os doutrinários<br />
que querem que procedamos com os japonêses, da mesma forma com que os Estados Unidos<br />
se comportam com eles, forem vitoriosos, com a sua singular teoria, não faltará quem<br />
proponha que também os imitemos, no tocante aos negros e mulatos. É lógico. Então, meus<br />
senhores, ai de mim e de... muita gente!<br />
Gazeta de Notícias, 2-1-1921.<br />
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