Marginalia - Curso Objetivo
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A política naquela palestra de influências eleitorais reduz-se a números; e toma<br />
parecenças com os discursos parlamentares do meu simpático Cincinato Braga ou com os<br />
artigos do Mário Guedes, meu colega também, por ser agora, como eu já era, professor de<br />
agricultura. É verdade que eu a estudei nas "public-houses" de New-York e Londres, com o<br />
eminente Mark Twain; e o Mário fez seus estudos com o avisado Miguel Calmon, na<br />
Sociedade de Agricultura, na rua da Alfândega, onde este último possui um campo<br />
experimental da cultura do fumo ou tabaco bravio, nos telhados velhos do edifício.<br />
Há alguma diferença...<br />
Ao chegar a uma estação qualquer, o médico que viajava em frente a mim desde a<br />
Central, e acompanha a conversa política dos seus amigos, exclama com terno espanto:<br />
- Olha o Maurício!<br />
Penso que é o de Lacerda e antegozo uma disputa de alta política eleitoral em que o<br />
meu Maurício de Lacerda certamente não deixará de pontilhá-la com algumas sentenças<br />
comunistas, para assustar os contos de réis daquele insolente Mário que despreza os meus<br />
cigarros. Infelizmente não é o de Lacerda; é um menino fardado de colegial. Percebo que é<br />
filho do médico; que perdeu o trem ou fêz qualquer traquinada e não saltou na estação devida.<br />
O pai recebe com bonomia as explicações do filho, sem nenhum ralho na voz ou no olhar. O<br />
pequeno quer descarregar a culpa para o chefe de trem, o pai, porém, desculpa este também:<br />
"ele tem muito que fazer; é natural que se esquecesse ..."<br />
Ainda mais simpatizo com esse meu companheiro de viagem, tão simples, tão<br />
natural, muito diferente dos amigos que o acompanham, e ainda mais desejo conversar com<br />
ele sobre febre aftosa, sobre coisas do Ministério Simões Lopes, etc., etc. Sabem por quê?<br />
Porque ele, ao ser apresentado ao tal coletor, dissera que a sua fazenda era só de criação; e<br />
que, ao lhe aparecer não sei que peste no seu gado, apelara para o Ministério vizinho do<br />
Hospício, que lhe enviara em auxílio um veterinário com uma lata de creolina.<br />
Dentro em breve, o filho se despede. Nessa despedida encontrei um problema<br />
nacionalista que rogo aos meus amigos Álvaro Bomilcar e Jackson de Figueiredo a<br />
resolverem-no quanto antes, para sossego da "brasilidade".<br />
É tradicional que, nesses momentos, o filho leve aos lábios a mão direita do pai e a<br />
beije no dorso.<br />
É a bênção que ainda hoje eu, com quase quarenta anos, tomo a meu pai, em<br />
ocasiões solenes. Acontece que ultimamente foi introduzido o uso estrangeiro de se beijarem<br />
pai e filho, nas faces, depois se abraçarem, tal e qual faziam, antigamente, as damas e moças,<br />
ao se encontrarem. Não há nisto e, também, com o mútuo tratamento de tu e você entre pais e<br />
filhos, um afrouxamento do uso da nacionalidade, uma injúria irrogada aos manes dos nossos<br />
avós?<br />
Penso que há ai alguma coisa como que uma diminuição da forte constituição<br />
católica da família brasileira que sempre teve, graças à doutrinação da Igreja, por modelo o<br />
patriarcado bíblico.<br />
Não sou autoridade no assunto; mas, os meus amigos católico-nacionalistas<br />
resolverão - estou certo - a questão a contento de todos e com rara sabedoria escolástica<br />
O menino saíra, ligeiro e alegre, sob o doce e longo olhar paterno, e continuamos a<br />
correr sobre os rails da Central, dentro da escuridão da noite, que, se é mãe do Crime e do<br />
Vício, é também o intermediário mais perfeito entre o mistério da nossa alma e aquele que nos<br />
cerca.<br />
Careta, 7-5-1921.