Marginalia - Curso Objetivo
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Urubu veio de cima<br />
Com parte de homem sério.<br />
Chegando no palácio,<br />
Organizou ministério.<br />
Não sei toda a cantiga; mas não ressuma dela, estou certo, nenhuma antipatia contra<br />
a ave carniceira, que é aí mais troçada amigavelmente do que mesmo debochada com<br />
azedume.<br />
Entre os pescadores, há uma crença semelhante a esta do urubu, com o bôto.<br />
É muito conhecido esse peixe que vive à flor d'água, girando como se fosse uma<br />
roda, dois terços mergulhados. Todos que viajam na nossa baía conhecem-no, apesar de quase<br />
nunca se lhe ver a cauda e a cabeça. Vemos só o seu dorso azulado a revolver-se nas águas<br />
azuis ou verdes do mar e é dos grandes prazeres das crianças que tomam a barca de Niterói.<br />
Os pescadores não os matam porque, tendo eles por ofício limpar a superfície do<br />
mar, socorrem os náufragos, empurrando-os para a praia, como fazem com tudo que bóia nas<br />
suas águas sem medida.<br />
O urubu é absolutamente inútil para qualquer fim alimentício ou outro por ser<br />
repugnante e nauseabundo; mas, assim mesmo, os senegaleses de Baratier esfomeados<br />
preferiram alimentar-se com a carne imunda de aves semelhantes a servirem-se do seu<br />
hipopótamo totêmico.<br />
Com o bôto, porém, não se dá o mesmo. Se não se presta para alimento,<br />
prestar-se-ia, por ser gorduroso, à extração de azeite que poderia aliviar um pouco, na verba<br />
iluminação, os orçamentos praieiros.<br />
Entretanto, nenhum deles se lembra disso e o bôto vive na segurança sob um tabu<br />
imemorial. Há outras aves, a cambaxirra, por exemplo, que não são perseguidas, como<br />
também certos insetos, como esse quase doméstico - o meirinho - que suga moscas.<br />
Este é naturalmente por ser útil, mas aquela é por ser uma ave azarenta que nenhuma<br />
criança quer ver no seu alçapão.<br />
A extensão que os nossos atuais estudos médicos têm levado ao exame de certas<br />
moléstias, cuja transmissibilidade é atribuida, as mais das vezes, a insetos parasitas, tem<br />
levado os sábios a amaldiçoar certos animais e a abençoar outros.<br />
O urubu tão sagrado pelo povo, é maldito para os sábios, pois propaga a epizoetia,<br />
nefasta ao gado; o sapo, tido corno diabólico, auxiliar de bruxas e bruxedos, perseguido pelas<br />
crianças, é bendito pelos higienistas, por devorar as larvas dos mosquitos, que inoculam no<br />
nosso organismo não sei quantas doenças.<br />
É mais um conflito entre a religião e a ciência...<br />
Atualidade, 10-8-1919.<br />
XI<br />
COISAS DO JOGO DO "BICHO"