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Marginalia - Curso Objetivo

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Porém, se a mesma planta ou tronco, se a mesma hera,<br />

Apenas puro sol aquece onde ela esteja,<br />

Rebenta, alegre, e vai saudando a primavera,<br />

Sem nunca precisar das bênçãos de uma igreja!<br />

Percebe-se bem, por aí e por outras partes do seu poema, que o Sr. Souto Maior está<br />

familiarizado com a técnica do verso, mas ama sobretudo o alexandrino, à Junqueiro; e o<br />

heptassílabo, à moda de Castro Alves. Na primeira parte, logo na segunda poesia - "Anatomia<br />

Ideal" - que, como todas do livro, demonstra estudo e uma visão particular do autor, há<br />

décimas de fino gosto do grande poeta baiano. Passo para aqui esta que é típica:<br />

Vi Lamarck nesse pego<br />

Da camada subterrânea,<br />

Procurando como um cego<br />

A Geração espontânea!<br />

Estava lá Goethe - o sábio - !<br />

Herschel sustinha o astrolábio,<br />

Querendo falar ao Sol;<br />

Vi, como Laplace, Linneu,<br />

Discutindo o valor teu,<br />

Com muitos sábios de escol!<br />

Isto não diminui em nada o valor da obra, pois esse aspecto, por assim dizer,<br />

extremo, encobre uma originalidade sempre latente do autor, cuja visão do mundo e da vida,<br />

baseada sobre fortes leituras que se tocam aqui e ali, é transfigurada de um materialismo<br />

genuíno, que parece ter sido a primeira crença do autor, por um espiritualismo fluídico que<br />

perpassa por toda a obra.<br />

O trabalho do Sr. Souto Maior, não só dá a capacidade de pensador, como também<br />

mostra todas as feições íntimas do seu estro e do seu temperamento literário.<br />

"Coração-Alma" com que abre a segunda parte do poema, é uma poesia lírica de<br />

raro valor e apreço. Daria toda ela aqui, se não temesse parecer que queria assinar trabalho<br />

alheio; mas não posso deixar de citar esta estrofe, tão sentida e tão profunda, que os leitores<br />

ficarão admirados de não ter eu tido ânimo de pôr também nesta notícia as outras. Vejamo-la:<br />

Não te maldigas nunca, e nunca te exasperes<br />

Contra a dor que te oprime; o espinho em que te feres<br />

Criaste-o mesmo tu:<br />

Quem a túnica rasga, embora a mais singela,<br />

Não pode maldizer o frio que o regela,<br />

Se quis mesmo andar nu!<br />

Pelo pouco que citei, poderão avaliar os leitores do raro valor do livro do Sr.<br />

Walfrido Souto Maior. Era meu desejo alongar-me mais na análise do poema: mas, para tanto<br />

não me sobra tempo, assoberbado como ando com pequenos trabalhos que me forneçam o<br />

necessário para as despesas imediatas da vida. Contudo, vai aqui o preito da minha admiração<br />

por tão raro poeta, no qual, apesar de conhecer eu homem há tantos anos, me surpreendeu<br />

encontrar, não só um bom poeta, mas também um singular poeta.<br />

Argos, n.0 9-10, outubro e novembro de 1919.

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