Marginalia - Curso Objetivo
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momento, surge a seus olhos uma verdadeira visão de divindade florestal; e isso ela o é já pela<br />
beleza que há de por força ter (o que é sempre indispensável em deuses e deusas seja de que<br />
religião for), já pelo mistério do aparecimento.<br />
É Ema que adivinha o sonhador, naquele desconhecido; e pergunta-lhe o que faz.<br />
Pensa nos homens, responde; por isso acodem-lhe maus pensamentos... nesta<br />
cavalgata de sombras do abismo social. Ser homem, é bem doloroso!<br />
O tormento do Sr. Saturnino vem daí; isto é, sabe bem qual é a armadura que nos<br />
pode proteger; mas sabe também que é daquelas armaduras divinas ou infernais dos romanos<br />
de cavalaria que os gênios bons e maus davam aos seus protegidos mas que estes não sabiam<br />
forjá-las e nem qualquer outro mortal. Vem de não saber forrar-se de egoísmo; e ei-lo a ceder<br />
à fatalidade do seu temperamento, pregando, em prol dos outros, imprecando, amaldiçoando e<br />
maldizendo, em nome de um sonho que não toma corpo, que entrevê rapidamente e logo se<br />
esvai entre neblinas.<br />
Ele, porém, não cessa de sonhar, de imprecar, de exortar. A sua obra é de profeta da<br />
Bíblia e ninguém como ele obedece ao clamor que a injustiça do nosso estado social provoca<br />
da indignação dos bons corações.<br />
Surpreendido em colóquio com a druideza, pelo pai desta, o herói do Sr. Saturnino<br />
de Brito, ao ancião, que, segundo a filha, "foi simplesmente o terror dos maus que dominam a<br />
Beócia", dá-se a conhecer pela seguinte forma arrebatada:<br />
"Mestre, pertenço ao número dos teus mais veneradores discípulos, aqui, e só me<br />
basta a honra de o ser sinceramente. Os apóstolos da regeneração, por meio da educação<br />
racional das massas mourejantes e da propaganda geral contra os preconceitos e os abusos do<br />
bronco capitalismo, aliado à política de rapina, tiveram também a sua influência entre nós. No<br />
teu olhar, no teu gesto, vibra e arde o ideal rubro, o ideal do sangue que só palpita pela<br />
Liberdade culta nesse gelo da Sibéria social cm que farejam os lôbos monetários e vaidosos...<br />
Aqui as feras que devoram as vítimas do trabalho fecundo são também inúmeras e de todos os<br />
matizes..."<br />
Todos os trabalhos do Sr. Saturnino de Brito têm sido dominados por esse<br />
pensamento que ele põe na boca do seu Stélio. É só lê-los para o verificar.<br />
O ardor do seu gênio não lhe permite que as suas produções tenham a serenidade de<br />
expor fatos, de ordená-los artisticamente, de modo que digam ao leitor mais do que dizem. O<br />
autor se apaixona, declama e abandona-se à eloqüência. Ama a metáfora e a alegoria; e não<br />
tem o dom da ironia e da sátira.<br />
Tanto nas suas obras de ficção como nas de propaganda, a sua paixão não procura<br />
diques; ao contrário, como que se compraz em extravasar por todos os lados. Inunda tudo.<br />
Será defeito; mas também é denúncia da sua qualidade superior de escritor: a sua<br />
sinceridade.<br />
O real, como já disse alguém, o aborrece; e, no seu ideal, é que ele vive e faz viver<br />
os seus personagens. O mundo dele e das suas criaturas não é este; é um muito outro que se<br />
entrevê entre névoas.<br />
Querendo baixar até nós, o Sr. Saturnino fica prosaico e mostra-se logo o escritor<br />
que não pode falar em tom familiar e em coisas familiares.<br />
Nesta coletânea de contos, que é a sua última obra e a que intitulou Da Volúpia ao<br />
Ideal, o autor do Socialismo Progressivo afirma completamente as tendências principais e<br />
superiores da sua atividade intelectual.<br />
Continua a ser o apóstolo disfarçado no literato; e prega com força e eloqüência o<br />
seu credo.<br />
O seu sonho grandioso de cooperativismo destinado a melhorar as condições de<br />
nossa vida; as afirmações de sua obra - A Cooperativa é um estado - vêm diluídas nas suas<br />
novelas a todo o propósito.