Marginalia - Curso Objetivo
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Não está no seu primeiro ano, não está no terceiro; está no quinto de sua útil<br />
existência - coisa rara entre nós.<br />
Publicando há dois ou três anos um volume de contos - Urupês, o Sr. Lobato, em<br />
bem pouco tempo, sem favor algum, logrou ver o seu nome conhecido no Brasil todo e as<br />
edições de sua obra se esgotarem umas sobre as outras.<br />
A criação principal de um dos seus contos, aquele que dá o nome ao livro, o famoso<br />
Jeca-Tatu, que o uso, e ele mesmo o sancionou, fez Jeca-Tatu andar, pelo menos de nome, em<br />
todas as bocas, enquanto o personagem propriamente assanhou a crítica dos quatro pontos<br />
cardeais destas terras de Santa Cruz.<br />
Quiseram ver nela o símbolo do nosso roceiro, do nosso sertanejo - "o caboclo" -<br />
como se diz por eufemismo, porquanto nele há, de fato, muito de índio, mas há, em<br />
compensação, alguma coisa mais. Daí a celeuma. Surgiram contraditores de toda a parte e os<br />
mais notáveis, daqueles que conheço e tenho notícia, foram o Sr. Leônidas de Loiola, do<br />
Paraná, e o Sr. Ildefonso Albano, do Ceará.<br />
Li o Sr. Loiola, mas não li a contradita do Sr. Albano, que se intitula, se não me<br />
falha a memória, Mané Chique-Chique. Creio, porém, que esses senhores se sangraram em<br />
saúde. Não acredito absolutamente nas miríficas virtudes dos sertanejos do norte, nem de<br />
outra parte do Brasil.<br />
Todos os nortistas, especialmente os cearenses, estão dispostos a fazer deles, senão<br />
esforçados "preux", ao menos tipos de uma energia excepcional, de uma capacidade de<br />
trabalho extraordinária e não sei o que mais.<br />
Citam, então, o Acre, criação do cearense exul. Não me convence. Julgo que haveria<br />
tenacidade, energia no trabalho, não na emigração, no êxodo, mas na constância em lutar com<br />
o flagelo climatérico que assola aquele Estado e os circunvizinhos.<br />
Essa energia, essa tenacidade se faria constante, se, de fato, existissem, para<br />
aproveitar os bons anos de chuvas, construindo obras ditadas pela própria iniciativa daquelas<br />
gentes, de modo a captar as águas meteóricas e outras, para os anos maus. Mas tal não se dá;<br />
e, quando chegam as secas, encontram as populações desarmadas.<br />
A secura dos desertos da Ásia Central fez descer para as margens do mar Negro e<br />
outras paragens hordas e hordas; mas o holandês, no seu charco desafiou, com a sua<br />
tenacidade e diques, as fúrias do mar do Norte.<br />
De resto, o Sr. Monteiro Lobato não quis simbolizar em Jeca-Tatu, nem o sertanejo,<br />
nem coisa alguma.<br />
Ele não tem pretensões simbolistas, como nunca tiveram os grandes mestres da<br />
literatura. Tais pretensões são cabíveis nos transcendentes autores que ninguém lê. Ao que me<br />
parece, pois só epistolarmente conheço o autor do Urupês, o Sr. Lobato viveu ou nasceu na<br />
região a que chamam "norte paulista", o vale da parte de São Paulo do Paraíba do Sul. É ela<br />
que ele descreve com tanta ternura e emoção contida nos seus livros de ficção. Ele viu a sua<br />
decadência; ele relembra seu esplendor passado. Certamente, quando menino, brincou lá com<br />
aqueles Jecas; e é a sua saudade, é a sua simpatia, é a sua mágoa por não vê-los prósperos,<br />
que fez pintá-los como pintou. Isto está a ver-se nas suas Cidades Mortas, livro seu, talvez<br />
mais curioso que o famoso Urupês, que tanto escandalizou o patriotismo indígena.<br />
No seu último livro - Negrinha - há um conto - "O jardineiro Timóteo" - que<br />
denuncia bem esse seu feitio de sentir.<br />
Deve-se lê-lo para bem perceber o pensamento geral que domina a produção do<br />
autor da Bucólica.<br />
Trata-se de um preto, o Timóteo, que era jardineiro de uma fazenda daquelas<br />
regiões; aos poucos, esta vai decaindo, por isso ou por aquilo, e, com ela, os antigos senhores<br />
e patrões. Timóteo não dá por isto e continua a plantar as suas flores humildes e modestas:<br />
esporinhas, flores-de-noiva, amores-perfeitos, sempre-vivas, palmas-de-santa-rita etc.