Anais do III Encontro Nacional de Estudos sobre o Mediterrâneo ...
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Gabriel Ferreira <strong>de</strong> Almeida Paizani<br />
fenômeno estatal. O regimen, então, não se inscrevia na perspectiva da potência,<br />
mas no horizonte da escatologia. (2006: 24).<br />
Esse posicionamento muito acerta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Michel Senellart vai <strong>de</strong> encontro aos<br />
estu<strong>do</strong>s elabora<strong>do</strong>s recentemente <strong>sobre</strong> a Ida<strong>de</strong> Antiga e Média. O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um fenômeno posterior e não po<strong>de</strong> ser inseri<strong>do</strong>, anacronicamente, nem na<br />
Antiguida<strong>de</strong>, nem no Medievo. Recor<strong>de</strong>mos que o “Esta<strong>do</strong>” não serve como um sinônimo<br />
suficiente para “socieda<strong>de</strong>” ou “comunida<strong>de</strong> civil”, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser utiliza<strong>do</strong> com cuida<strong>do</strong><br />
para não gerar absur<strong>do</strong>s, como uma compreensão linear e evolutiva <strong>do</strong> pensamento político<br />
e, assim, prever no perío<strong>do</strong> tar<strong>do</strong>-medieval a presença <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> nascente ou elementos<br />
inteiramente novos que não fazem parte <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>.<br />
1. Inseri<strong>do</strong>s nesse contexto peculiar, Dante Alighieri (1265-1321) e Marsílio <strong>de</strong><br />
Pádua (1275-1343), pensa<strong>do</strong>res coevos, produziram trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s também a discutir<br />
a relação possível entre o po<strong>de</strong>r temporal e espiritual. Dante e Marsílio foram indivíduos<br />
únicos, em seus trata<strong>do</strong>s fica clara a preocupação em arquitetar um novo meio <strong>de</strong> modificar<br />
a situação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada em que o mun<strong>do</strong> se encontrava, na percepção <strong>de</strong>les, partin<strong>do</strong><br />
sempre <strong>de</strong> uma reflexão <strong>sobre</strong> a peculiar conjuntura da península itálica. Sobre isso,<br />
Marsílio <strong>de</strong> Pádua, logo no início <strong>do</strong> Defensor da Paz (1324) afirma que:<br />
[...] é da discórdia, contrária à paz, que provêm os piores acontecimentos e<br />
inconvenientes a to<strong>do</strong> reino ou socieda<strong>de</strong> civil, mediante o que <strong>de</strong>monstra muito<br />
bem a atual situação da Itália. [...] a partir <strong>do</strong> momento em que entre o povo<br />
italiano nasceram a discórdia e as disputadas, seu reino foi acometi<strong>do</strong> por toda<br />
sorte <strong>de</strong> privações e <strong>de</strong>sgraças, vin<strong>do</strong> a sucumbir mais tar<strong>de</strong> ao jugo das nações<br />
estrangeiras e invejosas. (MARSÍLIO DE PÁDUA. Defensor da Paz. I, I).<br />
Por mais que Dante e Marsílio façam uso <strong>de</strong> fontes comuns a muitos teóricos da<br />
época, como Aristóteles, ambos levaram suas propostas ao limite.<br />
Dante, partin<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma concepção dualista, <strong>de</strong>fendia a in<strong>de</strong>pendência mútua <strong>do</strong><br />
Papa e Impera<strong>do</strong>r, visto que ambos os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>rivavam diretamente <strong>de</strong> Deus,<br />
basicamente pautan<strong>do</strong> seu argumento na origem <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, algo anteriormente aproveita<strong>do</strong><br />
por Fre<strong>de</strong>rico II em uma <strong>de</strong> suas diversas querelas teóricas com o papa<strong>do</strong>. Assim, para<br />
<strong>de</strong>monstrar que o monarca estava livre da jurisdição papal, construiu um setor inteiro <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> que seria in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da Igreja. O fim <strong>do</strong> homem natural, a beatitu<strong>de</strong> terrestre, <strong>de</strong><br />
nenhuma maneira <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria da felicida<strong>de</strong> eterna, mas sim <strong>de</strong> uma formação filosófica<br />
aliada a ativida<strong>de</strong> política.<br />
Veramente è da sapere che noi potemo avere in questa vita due felicitadi,<br />
secon<strong>do</strong> due diversi cammini, buono e ottimo, che a cio ne menamo: l’una è la<br />
<strong>III</strong> ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS SOBRE O MEDITERRÂNEO ANTIGO<br />
X FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA DA UERJ<br />
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