Anais do III Encontro Nacional de Estudos sobre o Mediterrâneo ...
Anais do III Encontro Nacional de Estudos sobre o Mediterrâneo ...
Anais do III Encontro Nacional de Estudos sobre o Mediterrâneo ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>III</strong> ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS SOBRE O MEDITERRÂNEO ANTIGO<br />
X FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA DA UERJ<br />
- 72 -<br />
Diego Lopes da Silva<br />
A possível idéia <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> Daniel 23 ao trabalhar com um mo<strong>de</strong>lo já<br />
conheci<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> rei profano/rebel<strong>de</strong> seria a <strong>de</strong> ser compreendi<strong>do</strong> na sua redação<br />
não somente pelos ju<strong>de</strong>us não heleniza<strong>do</strong>s que viam no governo <strong>de</strong> Antioco IV, Epífanes a<br />
representação <strong>do</strong> caos e da malda<strong>de</strong>, mas também se fazer compreendi<strong>do</strong> as <strong>de</strong>mais<br />
culturas que viam com maus olhos as práticas culturais <strong>de</strong> unificação religiosa, já que<br />
existia respeito entre as divinda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outras culturas e a alteração <strong>de</strong>sta prática era vista<br />
como uma afronta a nação subjugada.<br />
Outro fator interessante <strong>de</strong> ser aborda<strong>do</strong> é o mo<strong>do</strong> como a narrativa daniélica se<br />
utiliza <strong>de</strong> um estilo helenístico para ir <strong>de</strong> encontro às próprias práticas culturais helênicas,<br />
o autor <strong>de</strong> Dn utiliza uma prática comum 24 aos historia<strong>do</strong>res orientais <strong>de</strong> se valer da<br />
cultura <strong>do</strong>minante para criticar as <strong>de</strong>scrições oci<strong>de</strong>ntais <strong>de</strong> suas culturas, e tentar<br />
<strong>de</strong>monstrar seus valores, práticas e costumes a um público estranho aos seus costumes e<br />
práticas. Sen<strong>do</strong> uma prática <strong>de</strong> resistência cultural com uma faceta narrativista oci<strong>de</strong>ntal<br />
com termos e expressões <strong>de</strong> comum entendimento a cultura <strong>do</strong>minante da época.<br />
Observa-se que mesmo os mo<strong>de</strong>los ten<strong>do</strong> sua origem mesopotâmica também se vê<br />
aplica<strong>do</strong>s nas culturas oci<strong>de</strong>ntais, principalmente na grega, quan<strong>do</strong> se vê a rebeldia<br />
(hybris) 25 contra os <strong>de</strong>uses <strong>do</strong> Olimpo, embora existiam algumas diferenças entre mo<strong>de</strong>lo<br />
semítico e o grego como a pessoa que ignora suas divinda<strong>de</strong>s, a extensão <strong>do</strong> mito, sen<strong>do</strong><br />
neste pessoal (o responsável pela hybris sofre as consequências <strong>do</strong>s seus erros), enquanto<br />
naquele toma dimensões locais, sofren<strong>do</strong> toda a nação pela “loucura” <strong>do</strong> governante<br />
rebel<strong>de</strong> .<br />
23 Tem-se como segun<strong>do</strong> Daniel a redação da última seção <strong>do</strong> livro (Cap 7 -12), ten<strong>do</strong> em vista que o livro <strong>de</strong><br />
Dn é <strong>de</strong> autoria compósita, possuin<strong>do</strong> <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s eixos que giram entorno <strong>do</strong> cotidiano <strong>de</strong> Dn na coorte<br />
babilônica (Dn 1-6) e a seção apocalíptica (Dn 7-12), on<strong>de</strong> se tem uma <strong>de</strong>scrição tipicamente apocalíptica<br />
focan<strong>do</strong> nos acontecimentos históricos que suce<strong>de</strong>rão aos reinos humanos.<br />
24 Observa-se que na historiografia antiga das regiões adjacentes ao mun<strong>do</strong> grego e romano era <strong>de</strong> costume<br />
utilizar <strong>do</strong> modus operanti <strong>de</strong> redação grego, a fim <strong>de</strong> fazer com que a cultura <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada nacionalida<strong>de</strong><br />
fosse conhecida pelo leitor grego ou romano, entretanto, na maioria das vezes não surtia o efeito <strong>de</strong>seja<strong>do</strong><br />
pelo autor, ten<strong>do</strong> em vista o pouco apreço que os gregos e romanos tinham pelas outras culturas que<br />
julgavam serem menos favorecidas, <strong>de</strong>ntre estes temos o exemplo <strong>de</strong> Berossus no seu compendio <strong>sobre</strong> a<br />
história babilônica (Babyloniaca), Manethon na tentativa <strong>de</strong> revelar a cultura egípcia (Aegyptiaca) e Flávio<br />
Josefo nas Antiguida<strong>de</strong>s Judaicas (AJ) relatan<strong>do</strong> os acontecimentos e estórias <strong>do</strong> povo ju<strong>de</strong>us numa forma <strong>de</strong><br />
escrita claramente helênica.<br />
25 O mesmo mo<strong>de</strong>lo é aplica<strong>do</strong> a narrativa oci<strong>de</strong>ntal, observa-se o caso <strong>do</strong> mito <strong>de</strong> Prometeu que segue um<br />
mo<strong>de</strong>lo bem pareci<strong>do</strong> com o forneci<strong>do</strong> pelo autor <strong>de</strong> Dn, entretanto, a diferença está na dimensão <strong>de</strong><br />
aplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> caos proveniente da <strong>de</strong>sobediência. Enquanto no mito grego somente o autor sofre o<br />
castigo, nas narrativas orientais a nação também sofre pela <strong>de</strong>smesura <strong>do</strong> rei rebel<strong>de</strong>.