Tiago de Araujo Camillo - Programa de Pós-Graduação em ...
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curan<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>clarou que eu tinha uma inflamação <strong>em</strong>possessada, como um<br />
<strong>de</strong>mônio possesso <strong>de</strong> um corpo por sete anos (BISSOLI, 1979, p. 49).<br />
Bissoli reconhecia diferenças entre as práticas <strong>de</strong> cura, <strong>de</strong>ntre elas a do<br />
curan<strong>de</strong>iro, ao qual ele se submeteu e que ao contrário dos expedientes da<br />
medicina erudita do período, estava muito mais assentado <strong>em</strong> crenças espirituais<br />
e na experiência prática do que <strong>em</strong> estudos sist<strong>em</strong>áticos. Infelizmente o imigrante<br />
não menciona <strong>de</strong>talhadamente quais foram as práticas que o curan<strong>de</strong>iro utilizou,<br />
contudo na seqüência da redação <strong>de</strong> sua m<strong>em</strong>ória ele parece discordar da opinião<br />
do curan<strong>de</strong>iro, registrando, baseado no auto-conhecimento, a sua opinião no que<br />
tange à morbida<strong>de</strong> que o acometia:<br />
Eu s<strong>em</strong>pre disse que tinha uma ressecura dos órgãos digestivos, meu estômago<br />
e intestino não funcionavam mais, os purgantes que tomava só faziam o efeito<br />
<strong>de</strong> uma lavag<strong>em</strong> superficial, mas o fígado não se movia, não funcionava para<br />
expelir as biles estragadas e reformar (BISSOLI, 1979, p. 54).<br />
Por este trecho Bissoli <strong>de</strong>monstra que possuía conhecimentos básicos<br />
sobre o funcionamento do corpo humano, os quais provavelmente haviam sido<br />
adquiridos <strong>em</strong> seus estudos el<strong>em</strong>entares; por possuir tal saber o estrangeiro irá,<br />
num momento posterior, se <strong>de</strong>svencilhar dos cuidados médicos e passará a agir<br />
sozinho <strong>em</strong> busca da cura para a sua enfermida<strong>de</strong>.<br />
Em meio a diversas opiniões sobre o seu probl<strong>em</strong>a, como a <strong>de</strong> seu<br />
cunhado que acreditava ser um “feitiço”, Orestes Bissoli <strong>de</strong>monstrava<br />
indiferença, apesar <strong>de</strong> admitir <strong>de</strong>sconhecimento.<br />
Passarei a escrever sobre a minha moléstia <strong>de</strong>sconhecida e da maneira que me<br />
curei. Não faltou qu<strong>em</strong> me dissesse que eu estava maleficiado por algum<br />
feiticeiro, mas eu não prestava atenção, quanto menos, crédito. Um dia o meu<br />
cunhado v<strong>em</strong> aborrecido, dizendo que eu não acreditava, mas era certo que o<br />
seu filho Mário estava maleficiado, porque ia buscar o leite numa casa que tinha<br />
uma pobre velha, que, conforme ele, teria feito mal a nóis dois (BISSOLI, 1979,<br />
p. 55).<br />
Aparece um choque, então, entre a mentalida<strong>de</strong> européia e o saber<br />
popular brasileiro, havendo uma rejeição do europeu, geralmente católico – no<br />
caso italiano – e avesso às crenças que não aquelas ligadas aos rituais do<br />
cristianismo. Apesar disso, o cunhado <strong>de</strong> Bissoli <strong>de</strong>monstra ter receios acerca da<br />
“feitiçaria”; sua interpretação se baseia num mo<strong>de</strong>lo que a reconhece a doença<br />
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