Tiago de Araujo Camillo - Programa de Pós-Graduação em ...
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Ao examinar as entrevistas que fez numa comunida<strong>de</strong> francesa no final<br />
da década <strong>de</strong> 1960, Boltanski disserta acerca do que <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “medicina<br />
imitativa”:<br />
(...) a medicina familiar é essencialmente imitativa, contentando-se as mães, <strong>de</strong><br />
maneira geral, <strong>em</strong> reproduzir os gestos e as palavras do médico, ou melhor,<br />
entre esses, os gestos que lhes são perceptíveis, e as palavras que po<strong>de</strong>m<br />
i<strong>de</strong>ntificar e m<strong>em</strong>orizar. Essencialmente, é do médico que as mães receb<strong>em</strong> os<br />
nomes dos r<strong>em</strong>édios e os nomes <strong>de</strong> doenças que constitu<strong>em</strong> o conhecimento,<br />
todo feito <strong>de</strong> palavras, que é o <strong>de</strong>las. Longe <strong>de</strong> praticar<strong>em</strong> uma medicina<br />
paralela, as mães administram aos filhos r<strong>em</strong>édios que o médico prescreveu<br />
anteriormente para tratar doenças similares e, <strong>de</strong> certa maneira, mesmo quando<br />
os medicamentos são comprados s<strong>em</strong> receita por particulares, o médico<br />
permanece, indiretamente e conforme a lei, “o or<strong>de</strong>nador das <strong>de</strong>spesas médicas<br />
(BOLTANSKI, 1984, p. 22-23) .<br />
Neste trabalho não se pô<strong>de</strong> seguir a consi<strong>de</strong>ração estabelecida por<br />
Boltanski, sobretudo porque no final do século XIX a presença do médico não<br />
era diss<strong>em</strong>inada no meio rural brasileiro como nas cida<strong>de</strong>s francesas do ocaso da<br />
década <strong>de</strong> 1960. Tal característica brasileira dava marg<strong>em</strong> para múltiplas<br />
interpretações do estar com saú<strong>de</strong>, do estar doente e do ato <strong>de</strong> curar-se, enfim, o<br />
campo médico não era apenas terreno do indivíduo com formação acadêmica,<br />
levando a população a agir a partir <strong>de</strong> artifícios que não se restringiam apenas à<br />
imitação dos procedimentos “eruditos”.<br />
Além das obras dos referidos autores ligados ao campo da Antropologia<br />
da Doença, adota-se também a perspectiva <strong>de</strong> Burguière no que tange ao estudo<br />
das doenças e <strong>de</strong> sua proliferação na t<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong>. Tal autor, ao pensar as<br />
patologias no quadro do que <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> Antropologia Histórica, propõe uma<br />
abordag<strong>em</strong> cultural das mesmas, afirmando que não “basta imergir os fenômenos<br />
[epidêmicos] num contexto socioeconômico para lhes conferir uma dimensão<br />
histórica” (BURGUIÈRE, 1998). Assim, ele se distancia <strong>de</strong> enfoques que<br />
associam a incidência <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mias exclusivamente a fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
econômico-social, tais como as crises <strong>de</strong> fome que assolaram a Europa durante a<br />
Ida<strong>de</strong> Média, período <strong>em</strong> que pulularam os casos <strong>de</strong> peste bubônica. Nesse<br />
sentido, segundo André Burguière:<br />
(...) reconstituir a história <strong>de</strong> um fenômeno epidêmico também é analisar a<br />
maneira como a organização e as normas culturais <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ram<br />
digerir as injunções do meio natural e enfrentá-las; é ressaltar a probl<strong>em</strong>ática<br />
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