30.12.2013 Views

pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...

pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...

pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

102<br />

familiari<strong>da</strong>de <strong>que</strong> pode <strong>se</strong> universalizar ao tocar ca<strong>da</strong> espectador nas zonas mais obscuras<br />

de <strong>se</strong>u de<strong>se</strong>jo ou de sua angústia”.<br />

Moacir, com <strong>se</strong>u modo de escrita, revela uma particulari<strong>da</strong>de, pode-<strong>se</strong> dizer própria<br />

<strong>da</strong> <strong>psico<strong>se</strong></strong>, a saber, o acesso direto ao <strong>que</strong> há de mais profundo no inconsciente. Suas<br />

pinturas são livres de influências do mundo, não são retira<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cultura local ou de fora,<br />

são mesmo uma espécie de de<strong>se</strong>nho bruto, no <strong>se</strong>ntido do primitivo. O <strong>que</strong> faz pensar <strong>que</strong><br />

na <strong>psico<strong>se</strong></strong> alguns sujeitos demonstram um tipo de língua bruta <strong>que</strong> pode <strong>se</strong>r ob<strong>se</strong>rva<strong>da</strong> nos<br />

modos de escrita (textual, de<strong>se</strong>nho e pintura). Contudo, isso não <strong>que</strong>r dizer <strong>que</strong> tais sujeitos<br />

estejam <strong>se</strong>mpre nessa língua, mas ela está lá, alíngua de ca<strong>da</strong> um.<br />

Essa noção de língua bruta veio a partir <strong>da</strong>s discussões <strong>que</strong> permearam os encontros<br />

do Ciclo Saussuriano 39 (2011). O psicótico estaria na língua bruta por não <strong>se</strong>guir, mesmo<br />

<strong>que</strong> alfabetizado, algumas regras gramaticais de pontuações, acentuações e concordâncias,<br />

causando estranhamento, inclusive na forma como <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntam, muitas vezes, numa<br />

disposição desordena<strong>da</strong>.<br />

Dizer a língua bruta é dizer <strong>que</strong> os elementos formadores <strong>da</strong> linguagem estão<br />

pre<strong>se</strong>ntes, to<strong>da</strong>via, trata-<strong>se</strong> de uma língua particular <strong>que</strong> não participa de um discurso<br />

compartilhado pelo social. Isso por<strong>que</strong> há encadeamento de letras, <strong>se</strong>guindo as leis<br />

linguísticas <strong>da</strong> lineari<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> oposição entre os termos exigidos para <strong>se</strong> estar na língua,<br />

<strong>se</strong>m, no entanto, fazer essa língua entrar num discurso social. É o <strong>que</strong> pode <strong>se</strong>r ob<strong>se</strong>rvado<br />

na escrita de Bispo do Rosário (BRANCO, 1988, p.131):<br />

Eu vou passar revista corpos cahidos carbonizados e os mortos reverter<br />

vossos corpos juntos vossos espiritos lados vos veja lagrimas sangri nome<br />

filho do home a voz pai criador eu exceto vossa nicencia filho enchugo<br />

em nuves especiaes formas bor<strong>da</strong><strong>da</strong> um metro proximo eu filho VIII (...)<br />

É possível ler tal texto, apesar <strong>da</strong> ausência de pontos, acentos e letras. A escrita,<br />

mesmo exposta como esta, possibilita <strong>que</strong> haja algum leitor por motivos diversos. Um<br />

ouvinte dessa fala, no entanto, <strong>se</strong>ria pouco provável.<br />

A escrita aponta, mesmo <strong>que</strong> por vezes <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>nte de forma desordena<strong>da</strong>, <strong>se</strong>m<br />

pontuações, <strong>se</strong>m uma lógica discursiva, <strong>que</strong> pode <strong>se</strong>r um modo na <strong>psico<strong>se</strong></strong> de subjetivi<strong>da</strong>de,<br />

de li<strong>da</strong>r com o gozo, possibilitando circular por entre os discursos a partir de um trabalho<br />

<strong>que</strong> opere com o real.<br />

39 Grupo de estudos formado pela professora doutora Mônica Nóbrega do departamento de Letras, em 2011,<br />

por linguistas, psicanalistas e fonoaudiólogos e de demais áreas <strong>que</strong> <strong>se</strong> organizaram com o intuito de estu<strong>da</strong>r<br />

a teoria saussuriana e outros autores <strong>que</strong> contribuem com esta teoria.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!