pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...
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familiari<strong>da</strong>de <strong>que</strong> pode <strong>se</strong> universalizar ao tocar ca<strong>da</strong> espectador nas zonas mais obscuras<br />
de <strong>se</strong>u de<strong>se</strong>jo ou de sua angústia”.<br />
Moacir, com <strong>se</strong>u modo de escrita, revela uma particulari<strong>da</strong>de, pode-<strong>se</strong> dizer própria<br />
<strong>da</strong> <strong>psico<strong>se</strong></strong>, a saber, o acesso direto ao <strong>que</strong> há de mais profundo no inconsciente. Suas<br />
pinturas são livres de influências do mundo, não são retira<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cultura local ou de fora,<br />
são mesmo uma espécie de de<strong>se</strong>nho bruto, no <strong>se</strong>ntido do primitivo. O <strong>que</strong> faz pensar <strong>que</strong><br />
na <strong>psico<strong>se</strong></strong> alguns sujeitos demonstram um tipo de língua bruta <strong>que</strong> pode <strong>se</strong>r ob<strong>se</strong>rva<strong>da</strong> nos<br />
modos de escrita (textual, de<strong>se</strong>nho e pintura). Contudo, isso não <strong>que</strong>r dizer <strong>que</strong> tais sujeitos<br />
estejam <strong>se</strong>mpre nessa língua, mas ela está lá, alíngua de ca<strong>da</strong> um.<br />
Essa noção de língua bruta veio a partir <strong>da</strong>s discussões <strong>que</strong> permearam os encontros<br />
do Ciclo Saussuriano 39 (2011). O psicótico estaria na língua bruta por não <strong>se</strong>guir, mesmo<br />
<strong>que</strong> alfabetizado, algumas regras gramaticais de pontuações, acentuações e concordâncias,<br />
causando estranhamento, inclusive na forma como <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntam, muitas vezes, numa<br />
disposição desordena<strong>da</strong>.<br />
Dizer a língua bruta é dizer <strong>que</strong> os elementos formadores <strong>da</strong> linguagem estão<br />
pre<strong>se</strong>ntes, to<strong>da</strong>via, trata-<strong>se</strong> de uma língua particular <strong>que</strong> não participa de um discurso<br />
compartilhado pelo social. Isso por<strong>que</strong> há encadeamento de letras, <strong>se</strong>guindo as leis<br />
linguísticas <strong>da</strong> lineari<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> oposição entre os termos exigidos para <strong>se</strong> estar na língua,<br />
<strong>se</strong>m, no entanto, fazer essa língua entrar num discurso social. É o <strong>que</strong> pode <strong>se</strong>r ob<strong>se</strong>rvado<br />
na escrita de Bispo do Rosário (BRANCO, 1988, p.131):<br />
Eu vou passar revista corpos cahidos carbonizados e os mortos reverter<br />
vossos corpos juntos vossos espiritos lados vos veja lagrimas sangri nome<br />
filho do home a voz pai criador eu exceto vossa nicencia filho enchugo<br />
em nuves especiaes formas bor<strong>da</strong><strong>da</strong> um metro proximo eu filho VIII (...)<br />
É possível ler tal texto, apesar <strong>da</strong> ausência de pontos, acentos e letras. A escrita,<br />
mesmo exposta como esta, possibilita <strong>que</strong> haja algum leitor por motivos diversos. Um<br />
ouvinte dessa fala, no entanto, <strong>se</strong>ria pouco provável.<br />
A escrita aponta, mesmo <strong>que</strong> por vezes <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>nte de forma desordena<strong>da</strong>, <strong>se</strong>m<br />
pontuações, <strong>se</strong>m uma lógica discursiva, <strong>que</strong> pode <strong>se</strong>r um modo na <strong>psico<strong>se</strong></strong> de subjetivi<strong>da</strong>de,<br />
de li<strong>da</strong>r com o gozo, possibilitando circular por entre os discursos a partir de um trabalho<br />
<strong>que</strong> opere com o real.<br />
39 Grupo de estudos formado pela professora doutora Mônica Nóbrega do departamento de Letras, em 2011,<br />
por linguistas, psicanalistas e fonoaudiólogos e de demais áreas <strong>que</strong> <strong>se</strong> organizaram com o intuito de estu<strong>da</strong>r<br />
a teoria saussuriana e outros autores <strong>que</strong> contribuem com esta teoria.