pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...
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<strong>se</strong>us dejetos. O resto é o <strong>que</strong> <strong>se</strong> encontra fora de uma ordem simbólica, mas é também o<br />
<strong>que</strong> pode circular, provocando efeito de sujeito.<br />
Na clínica <strong>da</strong>s <strong>psico<strong>se</strong></strong>s, deparamos muito com os dejetos – são excrementos, papéis<br />
rasgados, objetos <strong>se</strong>m valor econômico, pe<strong>da</strong>ços de roupas, utensílios <strong>que</strong>brados –<br />
denunciando a reali<strong>da</strong>de psíquica, mais <strong>que</strong> isso, o Real, a ausência de um véu simbólico<br />
<strong>que</strong> protege o neurótico do encontro <strong>da</strong>noso com o gozo desmedido. Es<strong>se</strong>s mesmos<br />
objetos/dejetos, outrora <strong>se</strong>m valor, isto é, <strong>se</strong>m investimento de sujeito, ganham outro<br />
estatuto quando são trabalhados pelo psicótico, tornando-<strong>se</strong> objetos estéticos, arte, arte<br />
bruta. São produções marca<strong>da</strong>s pela singulari<strong>da</strong>de de um sujeito, sua marca, <strong>se</strong>u traçado,<br />
sua escrita <strong>que</strong> constitui o sintoma como aquilo <strong>que</strong> é único em ca<strong>da</strong> sujeito.<br />
Com essa perspectiva <strong>da</strong> letra, pode-<strong>se</strong> falar de um outro caminho para a <strong>psico<strong>se</strong></strong><br />
<strong>que</strong> não o do significante, já <strong>que</strong> este (Nome-do-Pai) pr<strong>escreve</strong>u. Na vertente do<br />
significante está a noção de repre<strong>se</strong>ntante, enquanto na de letra há algo <strong>da</strong> função de uma<br />
transmissão <strong>que</strong> <strong>se</strong> liga à produção na <strong>psico<strong>se</strong></strong>. “Um significante apenas repre<strong>se</strong>nta um<br />
sujeito para outro significante e na<strong>da</strong> transmite em si mesmo; a letra torna possível a<br />
transmissão integral [...]” (CARVALHO, 2005, p.06). A letra transmite o Real, e o Real é<br />
o <strong>que</strong> é, não en<strong>se</strong>ja mais equívocos.<br />
A <strong>psico<strong>se</strong></strong> mostra o li<strong>da</strong>r com o Real, sua relação com o significante passa pelo<br />
caminho <strong>da</strong> letra. A produção artística ou artesanal na <strong>psico<strong>se</strong></strong> é um li<strong>da</strong>r com a letra <strong>que</strong><br />
não entra numa ordem significante. E, por isso, trata-<strong>se</strong> de um fazer indo <strong>da</strong> palavra ao<br />
objeto, transformando letras/palavras em coisa. Descascar a palavra até <strong>se</strong>u núcleo,<br />
tornando-a manu<strong>se</strong>ável e intercambiável. Já <strong>que</strong> o significante produz <strong>se</strong>mpre novos<br />
<strong>se</strong>ntidos, a produção, <strong>que</strong> tem estatuto de letra, esvazia de significância, permitindo uma<br />
circulação no social. Des<strong>se</strong> modo, a escrita de textos, o de<strong>se</strong>nho, a pintura, a escultura ou<br />
mesmo a produção de qual<strong>que</strong>r outro objeto - ou <strong>se</strong>ja, o <strong>que</strong> pressupõe uma materiali<strong>da</strong>de,<br />
o trabalho sobre o concreto, como podem <strong>se</strong>r ob<strong>se</strong>rvados nas oficinas com estes sujeitos -<br />
operam sob o gozo, localizando e esvaziando-o.<br />
To<strong>da</strong>via, é válido dizer <strong>que</strong> são produções <strong>que</strong> não pedem interpretação, não são<br />
formações do inconsciente. Independem <strong>da</strong> aprovação ou mesmo do reconhecimento do<br />
outro. São sujeitos reconhecidos por suas obras, não são apenas a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> deliram. Eles<br />
<strong>escreve</strong>m, pintam, bor<strong>da</strong>m, constroem e modelam artefatos <strong>que</strong> <strong>se</strong> dão a ver ao outro <strong>que</strong><br />
os coleta e os coloca em circulação. Por circularem es<strong>se</strong>s objetos obturam uma falta no<br />
grande Outro.