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pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...

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Dentre tais casos, pode-<strong>se</strong> citar, para falar dessa escrita <strong>que</strong> não busca o <strong>se</strong>ntido,<br />

mas <strong>que</strong> é <strong>da</strong> ordem de um traçado, operando com o gozo, um outro personagem do<br />

documentário O zero não é vazio (2005). Arturo faz de<strong>se</strong>nhos e pinturas com carvão <strong>que</strong><br />

mais parecem garatujas e borrões sobre a folha de papel. Ele mesmo nomeia sua escrita<br />

como imagem: “tem de <strong>se</strong>r a imagem mesmo, tem de <strong>se</strong>r o de<strong>se</strong>nho, tem de <strong>se</strong>r a pintura...<br />

A escrita virando traço, virando gesto”. Arturo fala de sua escrita como um processo de<br />

modelagem de um vaso, nomeando de “cerâmica noturna”. Bem explica tal processo<br />

falando <strong>da</strong> modelação <strong>que</strong> produz nes<strong>se</strong> mesmo ato o vazio. Pode-<strong>se</strong> ponderar <strong>que</strong> com sua<br />

escrita Arturo cria, como na fabricação <strong>da</strong> cerâmica, o buraco (simbólico) em <strong>que</strong> <strong>se</strong><br />

sustentar.<br />

Outro exemplo, ain<strong>da</strong> do mesmo documentário, é O condicionado. Ele diz <strong>que</strong> está<br />

“fora do calendário”, sua tarefa consiste em corrigir o tempo, faz isso por meio de uma<br />

espécie de fórmula matemática <strong>que</strong> coloca em ca<strong>da</strong> um de <strong>se</strong>us escritos. “Corrigido pelo<br />

autor, em 18-4-1999 + 6”. Coloca o dia e o mês, o ano é <strong>se</strong>mpre o mesmo, 1999,<br />

acrescentando o <strong>que</strong> falta para <strong>se</strong> localizar. O condicionado fabrica <strong>se</strong>us escritos todos os<br />

dias. Usa pe<strong>que</strong>nos pe<strong>da</strong>ços de papel, caneta, régua e uma espécie de pasta onde guar<strong>da</strong><br />

suas ferramentas. Oferta <strong>se</strong>us escritos aos tran<strong>se</strong>untes <strong>que</strong> passam pela mesma aveni<strong>da</strong><br />

onde está há anos.<br />

Se por um lado a escrita literária, o de<strong>se</strong>nho, a pintura, o bor<strong>da</strong>do são produções <strong>da</strong><br />

letra, do Real, ao mesmo tempo rein<strong>se</strong>re o sujeito num circuito simbólico por operar com o<br />

gozo desmedido.<br />

São produções denomina<strong>da</strong>s aqui de escrita por terem relação com a letra, singular<br />

de gozo de ca<strong>da</strong> sujeito. Dizer <strong>que</strong> têm estatuto de escrita é dizer, pautado em Lacan, <strong>que</strong><br />

isto está para além do significante, é algo <strong>que</strong> pode produzir <strong>se</strong>ntido, mas, acima disso, <strong>que</strong><br />

veicula o Real, impossível de <strong>se</strong> <strong>escreve</strong>r, impossível de <strong>se</strong> apreender. O sujeito psicótico<br />

mostra com <strong>se</strong>u saber <strong>que</strong> o Real não é significantizado, mas pode <strong>se</strong>r letrificado, na<br />

medi<strong>da</strong> em <strong>que</strong> a letra pode operar um modo de amarração do sujeito. Diante do Real o<br />

sujeito psicótico empunha <strong>se</strong>u modo de escrita. A letra é deslocável, e isso permite<br />

ver<strong>da</strong>deiras criações.<br />

O <strong>que</strong> pode o sujeito quando o gozo <strong>se</strong> desprende <strong>da</strong> articulação significante?<br />

Quando <strong>se</strong> rompe o simbólico, a escrita é chama<strong>da</strong> a de<strong>se</strong>nhar a bor<strong>da</strong> do buraco. O <strong>que</strong><br />

Lacan vem apontar com a <strong>se</strong>gun<strong>da</strong> clínica é a possibili<strong>da</strong>de de uma escrita fora <strong>da</strong> norma

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