pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...
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Desde Freud o escritor é considerado um antecipador do inconsciente, pois suas<br />
obras atestam a existência de um funcionamento psíquico independente <strong>da</strong> vontade do<br />
sujeito. Os sujeitos comumente tentam esconder <strong>se</strong>us devaneios e fantasias. No mundo em<br />
<strong>que</strong> vivem estes não são aceitáveis, devem <strong>se</strong>r ocultados até do próprio sujeito. Felizmente,<br />
tem-<strong>se</strong> os poetas <strong>que</strong>, com <strong>se</strong>us textos, revelam o <strong>que</strong> <strong>se</strong> passa no psiquismo do homem.<br />
Para explicar como sucede ao “escritor criativo” fazer sua obra, Freud (1908/1996)<br />
afirma <strong>que</strong> há algo recalcado <strong>que</strong> é desvelado por um acontecimento no pre<strong>se</strong>nte, uma cena<br />
<strong>da</strong> infância <strong>que</strong> revela um de<strong>se</strong>jo insatisfeito. Portanto, uma motivação do pre<strong>se</strong>nte soma<strong>da</strong><br />
a uma lembrança do passado resultaria numa produção literária. Pode-<strong>se</strong>, assim, dizer <strong>que</strong><br />
são criações <strong>que</strong> partem de algo já existente, recalcado no inconsciente. A produção do<br />
neurótico conta com o Nome-do-Pai existente.<br />
O neurótico em suas produções <strong>se</strong> reporta ao <strong>se</strong>u romance familiar 22 , ou <strong>se</strong>ja, sua<br />
história fictícia – de <strong>se</strong>us pais, <strong>se</strong>u nascimento. Seus trabalhos apontam <strong>que</strong> inventa para si<br />
um Outro <strong>que</strong> lhe acolhe e lhe nomeia no amor e no de<strong>se</strong>jo.<br />
Além disso, o <strong>que</strong> chamou a atenção de Freud foi poder encontrar no fazer do<br />
artista um trabalho comparável ao sonho, ato falho, lapso, chiste e sintoma. Trabalhos do<br />
inconsciente passíveis de interpretação. É comum <strong>que</strong> a psicanáli<strong>se</strong> <strong>se</strong> utilize de textos<br />
literários para dizer de <strong>se</strong>us conceitos. Dizer do Real, por exemplo, como <strong>se</strong> fez nesta<br />
dis<strong>se</strong>rtação usando Guimarães Rosa e outros exemplos é um modo de situar es<strong>se</strong> indizível<br />
pela palavra do poeta <strong>que</strong> tem um saber-fazer com es<strong>se</strong> impossível. “Nos artistas ele<br />
[Freud] viu <strong>se</strong>us precursores e nos textos literários, a oportuni<strong>da</strong>de de vali<strong>da</strong>r o método<br />
analítico” (SOLER, 1998, p.13).<br />
Lacan, por sua vez, irá dizer <strong>que</strong> as produções artísticas não devem <strong>se</strong>r<br />
interpreta<strong>da</strong>s. São atos de criação <strong>que</strong> resultam na produção de algo novo e singular e <strong>que</strong>,<br />
portanto, não <strong>se</strong> deve entendê-los, mas saber lê-los, como <strong>se</strong> lê um sintoma. Tal qual <strong>se</strong> lê<br />
um escrito.<br />
Saber ler é es<strong>se</strong>ncial ao psicanalista <strong>que</strong> aposta num saber-fazer de <strong>se</strong>u paciente<br />
com <strong>se</strong>u sintoma. Miller dirá isso em <strong>se</strong>u texto Ler um sintoma. Mesmo <strong>que</strong> a psicanáli<strong>se</strong><br />
<strong>se</strong>ja uma prática fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pela fala, “No campo <strong>da</strong> linguagem, <strong>se</strong>m dúvi<strong>da</strong>, a psicanáli<strong>se</strong><br />
toma <strong>se</strong>u ponto de parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> função <strong>da</strong> palavra, mas ela a refere à escritura.” (MILLER,<br />
2011).<br />
22 O romance familiar, termo criado por Freud, consiste numa construção inconsciente <strong>da</strong> família inventa<strong>da</strong><br />
pelo sujeito, uma família idealiza<strong>da</strong> mais de acordo com o de<strong>se</strong>jo do sujeito. (ROUDINESCO; PLON, 1998).