30.12.2013 Views

pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...

pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...

pelas veredas da psicose: o que se escreve? - CCHLA ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

66<br />

O sujeito <strong>se</strong> utiliza <strong>da</strong> língua para estabelecer algo de sua particulari<strong>da</strong>de, quando<br />

escolhe uma palavra em detrimento de outra, como uma criança <strong>que</strong> dis<strong>se</strong>: por <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la<br />

criança está desacor<strong>da</strong><strong>da</strong>?, escolhendo dizer desacor<strong>da</strong><strong>da</strong> ao invés de dormindo ou<br />

mesmo desmaia<strong>da</strong>. Utilizando-<strong>se</strong> do <strong>que</strong> constitui norma, o <strong>que</strong> está para todos, para <strong>da</strong>í<br />

poder advir algo de sua particulari<strong>da</strong>de. É o universal <strong>da</strong> língua particularizado pelo uso<br />

<strong>que</strong> dela faz ca<strong>da</strong> sujeito. Sem a língua não haveria possibili<strong>da</strong>de de subjetivi<strong>da</strong>de alguma.<br />

Alíngua aparece aí na particulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escolha de dizer uma palavra diante <strong>da</strong><br />

multiplici<strong>da</strong>de de poder dizer outras. Alíngua está pre<strong>se</strong>nte nessas escolhas. Mais <strong>que</strong> isso,<br />

impele o sujeito a <strong>se</strong> <strong>se</strong>rvir <strong>da</strong> língua. O <strong>que</strong> <strong>se</strong> pode fazer com alíngua é <strong>da</strong> ordem de um<br />

saber-fazer.<br />

O sujeito psicótico faz um uso <strong>da</strong> língua permeado por particulari<strong>da</strong>des –<br />

neologismos, fra<strong>se</strong>s desconexas, palavras <strong>se</strong>m <strong>se</strong>ntido – mostrando <strong>que</strong> a língua não <strong>se</strong>rve,<br />

somente, à comunicação. A <strong>psico<strong>se</strong></strong> exibe, com isso, <strong>que</strong> a língua carrega alíngua no dizer<br />

de ca<strong>da</strong> falante. Marca indelével de alíngua em todo <strong>se</strong>r <strong>que</strong> vem ao mundo pelo de<strong>se</strong>jo de<br />

um Outro <strong>que</strong> lhe introduz na linguagem, universo de palavras vivas, palavras-coisas,<br />

palavras-objetos e abjetos <strong>da</strong>s quais o <strong>se</strong>r só pode <strong>se</strong> apropriar pelo de<strong>se</strong>jo e pelo amor, este<br />

enquanto o <strong>que</strong> lhe possibilita sair do gozo, <strong>que</strong> é solitário, ao de<strong>se</strong>jo como construção<br />

subjetiva. O amor enquanto o <strong>que</strong> possibilita ir do gozo <strong>que</strong> é <strong>se</strong>mpre autista ao de<strong>se</strong>jo<br />

como o <strong>que</strong> introduz o hetero, um diferente. O amor promove uma articulação. Como<br />

afirma Miller (2009, p.39) em Uma conversa sobre o amor: “Por<strong>que</strong> no nível do gozo<br />

como tal, não existe o Outro: no nível do gozo como tal há a Coisa, <strong>da</strong>s Ding”.<br />

Ca<strong>da</strong> sujeito faz um uso particular <strong>da</strong> língua, to<strong>da</strong>via, diz-<strong>se</strong> <strong>que</strong> o psicótico faz um<br />

uso <strong>que</strong> difere do modo neurótico, pois, muitas vezes, o <strong>que</strong> <strong>se</strong> ob<strong>se</strong>rva é um li<strong>da</strong>r com a<br />

língua em <strong>que</strong> não compartilha <strong>da</strong>s mesmas regras gramaticais, causando estranhamentos<br />

para <strong>que</strong>m ouve ou lê. Citamos um dos textos de Arthur Bispo do Rosário para<br />

exemplificar: “Eu abrir aporta lado leste um jardim flores varas cores ao 7 metros de<br />

frente/ um portão de 2 metros de altura de ferro lado es<strong>que</strong>rdo com <strong>se</strong>us gradeado/ to<strong>da</strong>s de<br />

ponta lança um metro e vinte altura – 10 espaços – uma polega<strong>da</strong>” (BRANCO, 1988,<br />

p.135).<br />

É possível também <strong>que</strong> alguns escritos de psicóticos possam <strong>se</strong>r lidos <strong>se</strong>m tanto<br />

estranhamento mesmo quando não dispõem de pontuações e demais regras gramaticais. É<br />

o <strong>que</strong> <strong>se</strong> pode ob<strong>se</strong>rvar em Gregório Delgado, um dos personagens do documentário O<br />

zero não é vazio, produzido por Marcelo Masagão e Andrea Menezes (2005): “O verbo <strong>se</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!