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ENTRE A DOGMÁTICA E O NEOCONSTITUCIONALISMO: REFLEXÕES A<br />
PARTIR DE UM EXEMPLO DO DIREITO DAS SUCESSÕES<br />
Bruno Hermes Leal 1<br />
«En un mot, l’homme connaît qu’il est misérable:<br />
il est donc misérable, puisqu’il l’est;<br />
mais il est bien grand, puisqu’il le connaît»<br />
PASCAL, Blaise. Pensées et Opuscules<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Jean Carbonnier observou uma tricotomia do pensamento jurídico-civilista:<br />
‘‘Família, propriedade, contrato são, por tradição, os três pilares da ordem jurídica” 2 .<br />
A tríade, com efeito, é emblemática de uma determinada maneira de pensar – uma<br />
filosofia própria de nosso tempo – refletida, mormente, no Direito Privado.<br />
A pós-modernidade já foi descrita como etapa histórico-social na qual se<br />
constata a apoteose da liberdade do indivíduo – bem exemplificada no “direito a ser<br />
diferente” 3 – e a consagração de uma autonomia própria nas escolhas de vida 4 . Nessa<br />
maneira de pensar, pois, a morte representa o termo de uma trajetória de exercício<br />
de autoafirmação e de autonomia moral – qualquer liberdade, então, é “liberdade<br />
passada”. Essa, talvez, seja a explicação do porquê algumas correntes teóricas mais<br />
recentes tendam a direcionar sua análise a determinados ramos do Direito Civil que<br />
lidem com uma “liberdade presente”: Direito das Obrigações, Direitos Reais e Direito<br />
de Família.<br />
O raciocínio parece ser corroborado através da constatação de que, dentro do<br />
Direito das Sucessões, um dos temas mais estudados seja a projeção da liberdade<br />
humana para além de sua finitude existencial: o testamento, cujas raízes romanas<br />
antecedem mesmo à sucessão ab intestato 5 , é a juridicização quase religiosa de uma<br />
1<br />
Mestrando em Direito no PPGDir da UFRGS. Advogado. Contato em brunoleal88@hotmail.com.<br />
2<br />
CARBONNIER, Jean. Flexible Droit. Paris: LGDJ, 2001, p. 155.<br />
3<br />
JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internationale privé postmoderne. In : Recueil<br />
des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye. 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 et seq.<br />
4<br />
«On tolère davantage aujourd’hui les inégalités sociales que les interdits touchant la sphère privée;<br />
on consent plus ou moins au pouvoir de la technocratie, on légitime les élites du pouvoir et du savoir<br />
mais on est réfractaire à la reglementation du désir et des moeurs». Cf. LIPOVETSKY, Gilles. L’Ère<br />
du vide. Essais sur l’individualisme contemporain. Paris: Gallimard, 1983, p. 116.<br />
5<br />
ZACHARIAE, Karl Solomon. Cours de Droit Civil Français. Traduit de l’allemand sur la cinquième<br />
édition par Charles Aubry et Charles Rau. Bruxelles: Meline et Cans, 1850, p.398, § 588. Tome<br />
Deuxième.