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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Ora envolvido no rufo r<strong>ou</strong>co dos tambores, ora atravessado pelo badalejar<br />

da campa e pelo clangor das cornetas, o préstito seguiu vagarosamente pelas ruas<br />

mais concorridas da cida<strong>de</strong>, até parar em frente à igreja, on<strong>de</strong> o pregoeiro em alta<br />

voz leu ainda uma vez a sentença irrevogável, que <strong>de</strong>via manchar na cabeça <strong>de</strong> um<br />

homem o nome <strong>de</strong> toda a sua família.<br />

Parte do préstito já estava <strong>de</strong>ntro do templo; algumas das sentinelas, que<br />

custodiavam mais <strong>de</strong> perto o réu, já transpunham o limiar, quando um inci<strong>de</strong>nte<br />

inesperado veio pôr em alarma a todos os circunstantes.<br />

Um homem <strong>de</strong>sconhecido, com as faces macilentas, o olhar esgazeado, os<br />

vestidos em <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, e entretanto revelando pelo seu traje, pelo próprio<br />

<strong>de</strong>sespero, ser um cavalheiro, rompera à força uma das alas <strong>de</strong> praças e viera<br />

colocar-se em meio do préstito.<br />

Agarrado pelos soldados, <strong>de</strong>batia-se nas suas mãos, exclamando:<br />

— Deixem-me falar; <strong>de</strong>ixem-me falar!<br />

Os pulsos vigorosos dos agentes puseram-no fora; mas ele, sem conter-se,<br />

prosseguia, dizendo:<br />

— Deixem-me falar ao Sr. juiz. Deixem-me! Eu sei...<br />

É fácil imaginar a confusão que nesse instante rein<strong>ou</strong> no interior do templo.<br />

Os espectadores re<strong>de</strong>moinhavam, gesticulavam, apertavam-se em estreito<br />

em torno do <strong>de</strong>sconhecido.<br />

Este, vencendo a onda popular, po<strong>de</strong> <strong>de</strong> novo aproximar-se da ala, e<br />

caminhava em direção ao magistrado, quando par<strong>ou</strong> repentinamente.<br />

O sentenciado com os cabelos eriçados, a pele pergaminhada do rosto e os<br />

lábios contraídos, meio erguidos os braços algemados, fitava no <strong>de</strong>sconhecido um<br />

olhar profundo, em que se misturava a súplica e a repreensão.<br />

Todos pasmavam. O <strong>de</strong>sconhecido, como se fosse instantaneamente<br />

petrificado, não <strong>de</strong>u mais um passo; a cabeça pen<strong>de</strong>u-lhe como que humilhada, ao<br />

passo que as lágrimas corriam-lhe em fios.<br />

O juiz ia talvez <strong>ou</strong>vir o <strong>de</strong>sconhecido mas ao passar pelo sentenciado, este,<br />

dirigindo-se ao sacerdote, murmur<strong>ou</strong>:<br />

— Peça que o <strong>de</strong>ixem ir. É um homem <strong>de</strong> bem; estima-me; queria talvez<br />

dizer-me na hora da <strong>de</strong>sgraça algumas palavras <strong>de</strong> consolo.<br />

O préstito continu<strong>ou</strong> a entrar no templo. Ninguém busc<strong>ou</strong> interrogar aquele<br />

homem que soluçava, encostado à porta principal da igreja. Respeit<strong>ou</strong>-se-lhe a dor,<br />

porque ela mostrava ser bem profunda e filha <strong>de</strong> um sentimento generoso.<br />

A tropa <strong>de</strong>scans<strong>ou</strong> as espingardas enchendo o recinto sagrado do barulho<br />

produzido pelo choque das coronhas no assoalho.<br />

O sentenciado ajoelh<strong>ou</strong>-se, e os seus lábios começaram a ciciar uma prece,<br />

e o sacerdote que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inci<strong>de</strong>nte empali<strong>de</strong>cera ainda mais, e tomara um ar ainda<br />

mais contrito, ajoelh<strong>ou</strong>-se também.<br />

Ao mesmo tempo o povo que enchia o recinto começ<strong>ou</strong> a separar-se abrindo<br />

fileiras. Era o <strong>de</strong>sconhecido que, trôpego e banhado em lágrimas, <strong>de</strong>ixara a porta e<br />

caminhava em direção à capela-mor.<br />

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