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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Dize-me, negro do diabo; on<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>ste a ser tão malvado. Crianças,<br />

velhos, todos, miserável.<br />

— Senhor, meu senhor, respondia humil<strong>de</strong>mente o feitor, não fomos nós.<br />

A negativa enfureceu ainda mais o fazen<strong>de</strong>iro, que <strong>de</strong>ix<strong>ou</strong> o escravo para <strong>de</strong><br />

uma ca<strong>de</strong>ira que, manejada, espedaç<strong>ou</strong>-se <strong>de</strong> encontro a um portal, não tendo<br />

apanhado Fidélis, que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u da agressão e correu.<br />

— Tu me pagarás, <strong>de</strong>salmado, tu me pagarás, grit<strong>ou</strong> o fazen<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>senganar-se <strong>de</strong> que não podia agarrar o feitor, que fugia seguido dos <strong>ou</strong>tros<br />

escravos com que saíra <strong>de</strong> manhã.<br />

Ficaram, porém, no terreiro Carlos e Domingos.<br />

A cólera do fazen<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>scarreg<strong>ou</strong>-se toda sobre o molecote, que em vão<br />

pranteava, afirmando a sua inocência.<br />

Compreen<strong>de</strong>ndo que a fúria <strong>de</strong> seu senhor chegaria ao maior excesso,<br />

Domingos interveio submisso pon<strong>de</strong>rando-lhe judiciosamente:<br />

— Perdão, meu senhor, vosmecê vai se per<strong>de</strong>r; este moleque morre.<br />

De feito Carlos já estava estendido por terra, com a cabeça quebrada e o<br />

corpo todo ralado pelos tombos repetidos.<br />

Ainda assim talvez fosse inútil a pon<strong>de</strong>ração do escravo, se não chegassem<br />

na mesma ocasião Faustino e Flor, que ambos assustadíssimos disseram ao<br />

fazen<strong>de</strong>iro que tinha-se ido chamar as autorida<strong>de</strong>s para verem o que havia na casa<br />

<strong>de</strong> Francisco Benedito, que estava fechada e sobre a qual pairavam os urubus.<br />

— E o que tenho eu com isso; respon<strong>de</strong>u <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>.<br />

— Antes nada tivesse, seu capitão; mas estão a dizer que a gente <strong>de</strong><br />

Francisco Benedito foi morta por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> vosmecê; soluç<strong>ou</strong> Florentino Silva. E<br />

qual foi o miserável que lembr<strong>ou</strong>-se <strong>de</strong> acusar-me, diga-me o seu nome, quero fazêlo<br />

engolir a calúnia!<br />

— Todos os que estavam na venda.<br />

— Todos!<br />

A mais dilacerante angústia foi resumida nesta única palavra. Encarnava a.<br />

revolta da dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> homem <strong>de</strong> bem e a dor agudíssima a sangrar um caráter<br />

sério. Concretização do <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> um coração, lapidado pela severida<strong>de</strong> para<br />

agalanar-se com as irradiações da bonda<strong>de</strong> e da justiça, nessa única palavra gemia<br />

todo um passado <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong> e nobreza <strong>de</strong> sentimentos agora <strong>de</strong>sapiedadamente<br />

trucidado pela calúnia.<br />

O fazen<strong>de</strong>iro sentiu-se no vácuo, mas esse vácuo horrível do pesa<strong>de</strong>lo,<br />

on<strong>de</strong> coloridos como fogos-fátuos suce<strong>de</strong>m-se e aprofundam-se infinitos círculos<br />

luminosos, aos quais nos queremos segurar quando se nos afigura que rolamos e<br />

sentimo-los ao nosso contacto <strong>de</strong>sfazerem-se em fumaça.<br />

O que no pesa<strong>de</strong>lo é uma sucessão <strong>de</strong> círculos luminosos era no espírito do<br />

angustiado um tumultuar <strong>de</strong> sentimentos, que não tinham consistência para obstarlhe<br />

a queda na con<strong>de</strong>nação social.<br />

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