Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
— Todos, repetiu o <strong>de</strong>sventurado; mas que mal fiz eu a toda essa gente<br />
para que assim me julgue?!<br />
— O que quer vosmecê, seu capitão; acontece quase sempre assim, disse<br />
Florentino. Eu no seu caso e na sua posição ia para Campos já; os seus amigos lá<br />
hão <strong>de</strong> <strong>de</strong>fendê-lo.<br />
— Sim, sim, exclam<strong>ou</strong> o fazen<strong>de</strong>iro, hei <strong>de</strong> fazer confundir os caluniadores e<br />
a <strong>de</strong>sforra será tremenda.<br />
Dentro em p<strong>ou</strong>co tempo uma canoa, remada com extraordinária boa<br />
vonta<strong>de</strong>, voava pelo rio Macabu. Levava em si o fazen<strong>de</strong>iro, que ia buscar no seio<br />
da família consolo para a sua aflição.<br />
Durante todo o dia ninguém atreveu-se a aproximar-se da casa em que<br />
apodreciam os cadáveres da família <strong>de</strong> Francisco Benedito. Só a nuvem <strong>de</strong> corvos,<br />
grasnando <strong>de</strong> espaço a espaço atraída pela carniça, fazia sentinela à mortalha, ora<br />
concentrando-se em imensa esfera negra, ora <strong>de</strong>sdobrando-se e abatendo-se<br />
repentinamente sobre o teto meio queimado.<br />
À noite, porém, um vulto cheg<strong>ou</strong> cautelosamente até à frente da casa,<br />
empurr<strong>ou</strong> a porta e entr<strong>ou</strong> sem hesitar, fechando-a <strong>de</strong> novo sobre si.<br />
Lá <strong>de</strong>ntro <strong>ou</strong>viu-se apenas o ruído das moscas espantadas pela visita<br />
inesperada.<br />
Passado algum tempo, o vulto saiu com a mesma precaução, e, entrando<br />
pelas roças, seguiu pelos aceiros, <strong>de</strong>pois pelo campo, e afinal dirigiu-se para as<br />
senzalas do sítio.<br />
Abriu uma <strong>de</strong>las e entr<strong>ou</strong>, acen<strong>de</strong>ndo logo <strong>de</strong>pois um can<strong>de</strong>eiro. A luz<br />
<strong>de</strong>ix<strong>ou</strong> então conhecer a pessoa que, zombando <strong>de</strong> temores supersticiosos, não<br />
trepid<strong>ou</strong> aventurar-se na escuridão e no isolamento àquele domínio da morte.<br />
Era a tia Balbina, que trazia sobraçada uma enorme tr<strong>ou</strong>xa <strong>de</strong> r<strong>ou</strong>pa<br />
ensangüentada.<br />
A feiticeira começ<strong>ou</strong> então a esten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>moradamente no chão os<br />
vestuários impregnados pelas exalações dos cadáveres.<br />
Depois reuniu-os <strong>de</strong> novo, e foi colocá-los em uma velha caixa, ao canto do<br />
quarto.<br />
Feito isto, sent<strong>ou</strong>-se por algum tempo na beirada da cama e tom<strong>ou</strong> a<br />
posição <strong>de</strong> quem medita.<br />
Não se prolong<strong>ou</strong> por muito tempo a sua inação, porque para logo levant<strong>ou</strong>se<br />
e foi acocorar-se no meio do quarto em exercícios <strong>de</strong> nigromancia.<br />
Por vezes os búzios foram lançados, e o cheiro <strong>de</strong> enxofre renovado no<br />
aposento. Depois como se h<strong>ou</strong>vesse conseguido o que <strong>de</strong>sejava, Balbina guard<strong>ou</strong><br />
os seus instrumentos cabalísticos, e pôs-se a cantarolar, sentada sobre o leito.<br />
Uma voz, repassada <strong>de</strong> tristeza, veio <strong>de</strong>stoar da alegria da feiticeira.<br />
— Oh! Tia Balbina como está tudo isso em <strong>de</strong>bando, que <strong>de</strong>sgraça.<br />
— Se Carolina tem muita pena dos brancos é pior para ela. Deus quis eles<br />
pagassem a malda<strong>de</strong> para com os escravos, e por isso <strong>de</strong>ix<strong>ou</strong> que mandassem<br />
matar por Fidélis e os <strong>ou</strong>tros a família do agregado.<br />
— Mas, sempre faz pena, tia Balbina.<br />
— É verda<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>u friamente a feiticeira, que repetiu à cri<strong>ou</strong>la os<br />
horrores da matança, tais como os <strong>ou</strong>vira ao <strong>de</strong>sconhecido.<br />
Por fim disse ela, bocejando:<br />
166