12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

Os dois personagens misteriosos separam-se taciturnos e cabisbaixos, sem<br />

que ao menos h<strong>ou</strong>vessem trocado um aperto <strong>de</strong> mão.<br />

Via-se-lhes no aspecto que a sua aliança carecia <strong>de</strong> um sentimento puro,<br />

que os fizesse <strong>de</strong>sdobrarem o íntimo nas expansões, que se esbatem à luz, serenas<br />

e <strong>de</strong>scuidadas.<br />

Ao contrário faziam recordar as lendas das feiticeiras e <strong>de</strong>mônios que se<br />

reúnem nos lugares ermos, obumbrada a clarida<strong>de</strong> do céu por um reposteiro <strong>de</strong><br />

trevas e só então começam o tripúdio sombrio, em que as visagens e os esgares<br />

medonhos substituem as palavras meigas e os sorrisos afáveis.<br />

O mais robusto dos dois intern<strong>ou</strong>-se pelo capoeirão, caminhando sem<br />

hesitar, como quem era assaz prático em romper por entre a re<strong>de</strong> espessa <strong>de</strong> lianas,<br />

trançado <strong>de</strong> galhos, e os aci<strong>de</strong>ntes do solo do lugar.<br />

Sob os seus passos <strong>de</strong> longe em longe estalitavam as folhas e os pauzinhos<br />

secos, mas tão imperceptivelmente que ninguém po<strong>de</strong>ria crer que por ali passava<br />

um homem.<br />

Após meia hora <strong>de</strong> caminho, par<strong>ou</strong> sob uma árvore frondosa, cuja ramagem<br />

caía como uma cúpula sobre as franças <strong>de</strong> <strong>ou</strong>tras menores, recortando um enorme<br />

disco virente.<br />

Um vasto recinto circular, estofado por folhas mortas, fechava-se aí pelo teto<br />

e tapagem <strong>de</strong> árvores, e servia <strong>de</strong> habitação aos dois companheiros.<br />

O recém-chegado, fazendo fuzilar o seu isqueiro, acen<strong>de</strong>u uma pequena<br />

fogueira e <strong>de</strong>pois tir<strong>ou</strong> do oco da árvore um cobertor escuro, e um saco, e<br />

separando as folhas do chão tr<strong>ou</strong>xe para junto <strong>de</strong> si duas foices polidas.<br />

Sobre o cobertor estendido <strong>de</strong>it<strong>ou</strong> a espingarda, que trazia consigo, e em<br />

seguida foi para junto do fogo on<strong>de</strong> começ<strong>ou</strong> a aquecer provisões para uma sóbria<br />

refeição.<br />

Visto ao clarão avermelhado da pequena fogueira, aquele rosto, on<strong>de</strong> a<br />

malda<strong>de</strong> estereotipara-se na sua mais precisa acentuação, lembrava os gênios<br />

maus da floresta, criados pela imaginação supersticiosa dos selvagens.<br />

Enquanto no isolamento e no mistério o recém-chegado quedava acocorado<br />

junto da fogueira, o sôfrego companheiro <strong>de</strong>ste homem, que durante longos anos<br />

apascentava em silêncio os mais ferozes pensamentos <strong>de</strong> horrorosa vingança<br />

contra Francisco Benedito, caminh<strong>ou</strong> em busca da notícia da qual <strong>de</strong>pendia o<br />

espanejamento dos seus instintos sangüinários em uma alegria satânica.<br />

O caminheiro, andando com uma presteza incrível, cheg<strong>ou</strong> ao sítio antes da<br />

hora em que a voz do feitor or<strong>de</strong>nava o recolher e por isso não esper<strong>ou</strong> por muito<br />

tempo para <strong>ou</strong>vir alguma c<strong>ou</strong>sa que o interessasse.<br />

A princípio colocara-se por <strong>de</strong>trás das senzalas todo atenção e <strong>ou</strong>vidos, mas<br />

para logo atraído pelo eco <strong>de</strong> duas vozes, arrastando-se cautelosamente veio<br />

postar-se entre o vão da casa do feitor e o lanço em que moravam os escravos.<br />

Na porta da senzala, Carolina, que já restabelecida tinha voltado para a<br />

roça, conversava com a tia Balbina.<br />

— Parece que vamos ter chuva, disse Carolina, vosmecê não vê que nuvem<br />

tão negra está ali parada por cima da casa gran<strong>de</strong>?<br />

— Po<strong>de</strong> ser que seja o quarto da lua com trovoada e a pedra do raio; é<br />

quase sempre assim, mas a pedra do raio não cairá sobre a casa dos brancos.<br />

Deus há <strong>de</strong> livrar-nos disto: lá está na porta a Estrela do céu.<br />

148

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!