12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

— Mas a água da chuva po<strong>de</strong> fazer cair a oração, disse a feiticeira elevando<br />

a voz; já tem-se visto, e, quando a Estrela cai, Deus fecha os olhos para a banda da<br />

casa que a per<strong>de</strong>u.<br />

— Ave Maria! Tia Balbina, Deus não há <strong>de</strong> permitir que venha ainda mais<br />

cita <strong>de</strong>sgraça.<br />

— Não; a felicida<strong>de</strong> é para os brancos, a <strong>de</strong>sgraça é para os cativos.<br />

Quando das costas <strong>de</strong> Balbina as feridas do chicote lançavam fumaça, como a boca<br />

aberta em dia <strong>de</strong> frio, a senhora brincava com o caçula doente, batendo-lhe com a<br />

ponta do <strong>de</strong>do nos seus beicinhos vermelhos.<br />

A mucama, parada junto <strong>de</strong>le, ria contente sem se lembrar que a sua<br />

parceira, cheia <strong>de</strong> dores, arribava o eito, gemendo no coração.<br />

Quando, <strong>de</strong> noite, o caçula tossia a sua doença, todos logo <strong>de</strong> pé corriam<br />

para ver e saber o que é que ele tinha, e quando <strong>de</strong> noite a escrava quase a morrer<br />

<strong>de</strong> raiva e <strong>de</strong> cansaço veio <strong>de</strong>itar-se na esteira da sua cama, só a pobre Carolina<br />

teve uma lágrima e um p<strong>ou</strong>co d'água com que lavasse as feridas da infeliz. Não; a<br />

felicida<strong>de</strong> é para os brancos, a <strong>de</strong>sgraça é só para os cativos.<br />

— Foi assim mesmo, tia Balbina, mas vosmecê já está vingada; basta só o<br />

negócio do agregado.<br />

Balbina sorriu, sacudiu os ombros, rasp<strong>ou</strong> as mãos uma sobre a <strong>ou</strong>tra, e<br />

<strong>de</strong>pois disse dissimuladamente:<br />

— Po<strong>de</strong> ser.<br />

— Está mesmo vingada, porque se disseram que vosmecê era feiticeira e o<br />

senhor acredit<strong>ou</strong>, hoje também o agregado foi espalhar que o senhor tinha mandado<br />

pôr fogo à casa <strong>de</strong>le e todo o mundo <strong>de</strong>u-lhe crédito.<br />

— Engano <strong>de</strong> você, criança, ninguém disse isto.<br />

— Antes não dissessem; mas o Carlos cont<strong>ou</strong>-me que tinha <strong>ou</strong>vido na<br />

venda. Vosmecê bem sabe que ele hoje não trabalh<strong>ou</strong>; porque está com o pé<br />

<strong>de</strong>stroncado por um jeito que <strong>de</strong>u ontem <strong>de</strong> noite, quando foram à casa <strong>de</strong> seu<br />

Chico.<br />

— Quem? Ele foi...<br />

— Com Fidélis, Peregrino e Alexandre. O filho <strong>de</strong> seu Chico arrum<strong>ou</strong> uma<br />

cacetada em Alexandre e eles correram para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o <strong>ou</strong>tro. No pulo que <strong>de</strong>u,<br />

Carlos <strong>de</strong>stronc<strong>ou</strong> o pé.<br />

— E o que foram eles fazer? Balbina dormiu o sono do cativeiro antes que o<br />

galo cantasse; estava cansada; não pô<strong>de</strong> <strong>ou</strong>vir ao seu anjo da guarda o que fizeram<br />

<strong>de</strong> noite os escravos do mau senhor.<br />

— Eu lhe digo, tia Balbina. Fidélis atur<strong>ou</strong> até agora tudo que o agregado tem<br />

querido fazer; mas os brancos disseram à minha vista que Fidélis tratasse <strong>de</strong> botar<br />

para fora aquele homem, fosse como fosse. Ontem as ma<strong>de</strong>iras amanheceram<br />

fun<strong>de</strong>adas no rio e o feitor, vendo que só o agregado faria esta malda<strong>de</strong>, foi à casa<br />

<strong>de</strong>le para meter-lhe medo.<br />

Enquanto Fidélis arrazoava lá com seu Chico, o filho veio por fora e <strong>de</strong>u uma<br />

cacetada em Alexandre, que estava da parte <strong>de</strong> fora. Então o feitor muito zangado<br />

quis pôr fogo à casa do agregado, e se ela não ar<strong>de</strong>u foi porque Carlos lembr<strong>ou</strong>-lhe<br />

que o senhor gosta <strong>de</strong> sá Antonica.<br />

149

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!