Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
— A doença que eu tenho você não cura, sorriu tristemente o feitor; é<br />
moléstia para <strong>ou</strong>tro d<strong>ou</strong>tor.<br />
— Então já não está aqui quem fal<strong>ou</strong>.<br />
Calaram-se ambos; Carolina pôs-se a beber pela xícara <strong>de</strong> Manuel João,<br />
enquanto este picava sobre a mesa o fumo e ajustava uma palha <strong>de</strong> milho para<br />
fazer o cigarro.<br />
Enquanto bebia, a cri<strong>ou</strong>la fitava <strong>de</strong> soslaio o seu amante, e o seu colo, negro<br />
como as penas do anum, arfava larga e tumidamente. Rompeu por fim o silêncio:<br />
— Sabe do que est<strong>ou</strong> me lembrando, seu Manuel?<br />
— Sim...<br />
— Da primeira vez que vosmecê fal<strong>ou</strong> comigo no aceiro, quando eu passava<br />
com o barril d’água para a gente.<br />
— E por que lembr<strong>ou</strong> você isso?<br />
— Vosmecê estava <strong>de</strong>baixo das bananeiras, tirando fogo do isqueiro;<br />
cham<strong>ou</strong>-me e <strong>de</strong>u-me <strong>de</strong> presente um lenço branco. Quando isto foi, ainda não era<br />
nascido o caçula <strong>de</strong> senhor; e daí para cá vosmecê trat<strong>ou</strong>-me sempre bem; ficava<br />
alegre quando me via...<br />
A cri<strong>ou</strong>la enxug<strong>ou</strong> duas lágrimas que lhe <strong>de</strong>slizavam pelas faces, e Manuel<br />
João, pren<strong>de</strong>ndo-a com o braço pela cinta, exclam<strong>ou</strong>:<br />
— De que é que você está chorando, Carolina?<br />
— Pois não é assim; eu não lhe sujei as suas barbas e vosmecê já não faz<br />
caso <strong>de</strong> mim.<br />
Manuel João tinha-se inclinado para Carolina e os seus lábios quase<br />
roçavam os grossos lábios da amante, quando se pôs <strong>de</strong> pé, <strong>de</strong> um salto, como se<br />
uma oculta força o h<strong>ou</strong>vesse repelido.<br />
— Não est<strong>ou</strong> zangado, não; exclam<strong>ou</strong> contrariado, mas hoje quero estar<br />
sozinho.<br />
As lágrimas secaram-se nos olhos <strong>de</strong> Carolina; e a dignida<strong>de</strong> da amante<br />
ergueu-se <strong>de</strong> pé e solene diante do feitor.<br />
— Escute bem, seu Manuel João; eu não lhe estimo nem por medo nem por<br />
ganância. Quero-lhe bem, está aí tudo. Des<strong>de</strong> que lhe estimei, ninguém se po<strong>de</strong><br />
gabar <strong>de</strong> ter visto os <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta negra. Não pense, não, que eu <strong>de</strong>ixando vosmecê<br />
v<strong>ou</strong> andar por aí. Po<strong>de</strong> perguntar ao Juca Benedito como é que eu lhe respondo, e<br />
não hei <strong>de</strong> mudar, não, ainda que o senhor passe a feitoria para o pai <strong>de</strong>le.<br />
— O quê? O que é que você acab<strong>ou</strong> <strong>de</strong> falar?<br />
— Digo que não hei <strong>de</strong> mudar, ainda que seu Chico Benedito fique sendo<br />
feitor.<br />
— Você está mentindo; o amo ainda não se mostr<strong>ou</strong> zangado comigo: não<br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spedir-me assim, sem mais nem menos.<br />
— Todo o mundo já sabe que o senhor vai chamar seu Chico; pergunte,<br />
para ver se é mentira.<br />
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