12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

Francisco Benedito nunca, por <strong>de</strong>ferência ao menos, convid<strong>ou</strong> o seu<br />

companheiro para ir à sua casa, fato que, ofen<strong>de</strong>ndo profundamente o <strong>de</strong>salmado<br />

Faustino, fazia com que ele dissesse quando falava-se no agregado:<br />

— Aquilo é um cachaça; um dia eu parto-lhe os ossos e mais ao magarefe<br />

do filho. Vai tudo raso; porque eu não gosto que me torçam o focinho.<br />

Mas apesar da recíproca antipatia, os homens harmonizavam durante o<br />

trabalho, e isto bastava.<br />

Na casa do agregado ficavam apenas as mulheres. Para espairecer da<br />

funda hipocondria que lhe ia minando a existência, Mariquinhas costumava sair à<br />

hora da sesta e ir sentar-se com a sua costura à sombra <strong>de</strong> uma árvore que ficava<br />

perto.<br />

Ai estava guardada pelo movimento das pessoas <strong>de</strong> casa e podia dar <strong>de</strong><br />

mão ao temor que tinha <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser <strong>ou</strong>tra vez assaltada pelo feitor.<br />

Um dia, porém, foi surpreendida justamente pela pessoa a quem queria<br />

evitar a todo o transe.<br />

A voz do feitor plangente e submissa, buscando ro<strong>de</strong>ios namorados, veio<br />

abalar-lhe a apatia íntima em que vivia.<br />

— Ainda não me perdo<strong>ou</strong>, sá Mariquinhas.<br />

A moça não respon<strong>de</strong>u, mas abaix<strong>ou</strong> ainda mais a cabeça, e pôs-se a<br />

cantarolar entre<strong>de</strong>ntes.<br />

As suas feições tinham, porém, tomado um acento solene — a gravida<strong>de</strong> do<br />

pudor ofendido, e era bem fácil compreen<strong>de</strong>r a causa <strong>de</strong>sta mudança.<br />

Mariquinhas amava sinceramente o feitor. Dera-lhe as primícias imaculadas<br />

dos seus sonhos dos quinze anos, bando l<strong>ou</strong>ro <strong>de</strong> miragens a entrançar-se em<br />

coréias festivas para <strong>de</strong>sfazer-se afinal nos vapores róseos <strong>de</strong> um anelo in<strong>de</strong>finível,<br />

que lhe dominava o coração enchendo-o <strong>de</strong> um sussurro longínquo <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s<br />

sem causa, <strong>de</strong> anseios sem objeto. Fizera das faces trigueiras <strong>de</strong> Manuel João o<br />

horizonte do seu viver mo<strong>de</strong>sto, e imaginara-se muitas vezes na sua casinha <strong>de</strong><br />

sapê, a esten<strong>de</strong>r no terreiro a r<strong>ou</strong>pa <strong>de</strong> trabalho <strong>ou</strong> o seu fato domingueiro ao lado<br />

da camisa <strong>de</strong> morim, que se lhe apertava contra os seios, opressa pelas barbatanas<br />

do seu vestido.<br />

À tardinha iria esperá-lo à porta, <strong>ou</strong> a meio caminho para acabar num beijo<br />

um sustozinho que se lhe ia levantando com a aproximação da noite.<br />

Custar-lhe-ia tanta felicida<strong>de</strong>, talvez, o <strong>de</strong>safeto <strong>de</strong> seus pais, porque o seu<br />

amante era homem <strong>de</strong> cor, e pobre; mas tudo isso compensar-lhe-ia o seu amor.<br />

Um coração feminil vive <strong>de</strong> tanta quimera aos quinze anos!<br />

Esse feixe facetado e iriante <strong>de</strong> ilusões <strong>de</strong>sat<strong>ou</strong>-o brutalmente o feitor na<br />

noite em que, acicatado pela lubricida<strong>de</strong>, três vezes covar<strong>de</strong>, atir<strong>ou</strong>-se como fera<br />

esfaimada sobre a candura, o amor e a fraqueza <strong>de</strong> Mariquinhas.<br />

Ao acordar do pesa<strong>de</strong>lo atroz daquela noite, em vez dos sonhos inocentes<br />

em que se bal<strong>ou</strong>çava, Mariquinhas só pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então ver <strong>de</strong>ntro em sua alma um<br />

pugilato medonho entre o amor e a dignida<strong>de</strong>.<br />

Tanto bast<strong>ou</strong> para que os ciúmes veementes do ex-feitor se reacen<strong>de</strong>ssem<br />

num incêndio <strong>de</strong>vastador. Então pass<strong>ou</strong>-lhe pela razão <strong>de</strong>svairada um argumento<br />

criminoso, que lhe explicava o afastamento e o ódio <strong>de</strong> Mariquinhas.<br />

83

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!