Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Tudo quanto há <strong>de</strong> mais infantil e mais amoroso, <strong>de</strong> mais santo e l<strong>ou</strong>co<br />
pass<strong>ou</strong> pelo espírito e encarn<strong>ou</strong>-se no olhar e nos gestos <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>.<br />
Veja se dorme, se <strong>de</strong>scansa, murmur<strong>ou</strong> ele; não <strong>de</strong>ve falar, não <strong>de</strong>ve fazer<br />
nenhum movimento. Oh! Que susto que nos preg<strong>ou</strong>!<br />
O olhar <strong>de</strong> Antonica, misto <strong>de</strong> espanto e <strong>de</strong> pudor, continu<strong>ou</strong> fixo a envolver<br />
o seu solícito velador, enquanto que no canto do lábio pair<strong>ou</strong>-lhe na ironia <strong>de</strong> um<br />
sorriso toda a amargura da sua situação.<br />
— Por que não me <strong>de</strong>ix<strong>ou</strong> morrer, por que não teve ânimo ao menos para<br />
passar em paz sobre a minha cova.<br />
— Mas, minha filha, repare que esta exaltação lhe faz mal; <strong>de</strong>scanse, isto há<br />
<strong>de</strong> passar; você verá, há <strong>de</strong> passar.<br />
As pálpebras <strong>de</strong> Antonica cerraram-se <strong>de</strong> novo e pelos seus cantos as<br />
lágrimas começaram a <strong>de</strong>slizar.<br />
Um inci<strong>de</strong>nte veio impedir, talvez, que uma involuntária quebra <strong>de</strong> resolução<br />
maculasse o papel digno que <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> <strong>de</strong>sempenhava junto da moça.<br />
Francisco Benedito, <strong>de</strong> pé na porta do quarto em que esta cena se passava,<br />
disse a meia voz:<br />
— Oh! Compadre, não será bom acordá-la e dizer que está aí o Viana;<br />
talvez...<br />
alto:<br />
Ce<strong>de</strong>ndo à comoção que lhe causaram estas palavras, o fazen<strong>de</strong>iro repetiu<br />
— Talvez...<br />
— Neste caso eu v<strong>ou</strong> chamar o rapaz. O compadre se o visse; está lá fora a<br />
chorar e a praguejar.<br />
Logo que Francisco Benedito retir<strong>ou</strong>-se o sorriso irônico <strong>de</strong> Antonica<br />
reapareceu-lhe nos lábios e as pálpebras <strong>de</strong>scerraram-se-lhe para lançar um olhar<br />
penetrante ao já sereno <strong>Coqueiro</strong>.<br />
— Quero mostrar que não s<strong>ou</strong> ingrata, seu capitão, murmur<strong>ou</strong> ela, hei <strong>de</strong><br />
tratar muito bem ao meu noivo.<br />
— E para ter mais franqueza, eu retiro-me, respon<strong>de</strong>u <strong>Coqueiro</strong>, levantandose<br />
e dirigindo-se à porta.<br />
Depois que o fazen<strong>de</strong>iro saiu, Antonica, que se assentara no leito, envolveu<br />
num sorriso um grito do coração:<br />
— Vai; não és tão indiferente como finges.<br />
— É cá, venha por cá, dizia lá fora Francisco Benedito, não façamos<br />
barulho.<br />
A estas exclamações acrescent<strong>ou</strong> logo uma pergunta e uma observação:<br />
— Acord<strong>ou</strong>-a sempre, compadre? São sempre assim, mesmo morrendo...<br />
Oh! Meu Deus, foi um milagre.<br />
68