12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

— As mulheres não po<strong>de</strong>m ser padres, meu compadre, e não sabem<br />

também guardar segredo.<br />

— Mas não todas, sá comadre; a minha velha é das tais, que o que se lhe<br />

diz é como jogar num poço.<br />

— Vamos ao caso, compadre; disse <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, que se havia levantado<br />

e tomava o corredor que comunicava a sala <strong>de</strong> jantar com a <strong>de</strong> visitas.<br />

Chegados aí e sentados, o velho referiu miudamente a visita <strong>de</strong> Manuel<br />

João, Viana e Sebastião Pereira, o pedido que esses dois últimos lhe fizeram e<br />

concluiu:<br />

— Eu est<strong>ou</strong> velho, não tenho nada <strong>de</strong> meu, não disse que sim, nem que<br />

não; fiquei assim; vosmecês o que acham?<br />

O embaraço intercept<strong>ou</strong> por algum tempo a resposta; mas afinal a senhora<br />

<strong>de</strong> <strong>Coqueiro</strong> rompeu o silêncio para expen<strong>de</strong>r uma evasiva:<br />

— Eu não posso dizer nada, meu compadre, o senhor sabe que não<br />

moramos aqui; eu est<strong>ou</strong> sempre na cida<strong>de</strong>, e, quando venho para o sítio, não saio<br />

<strong>de</strong> casa; portanto nada posso dizer.<br />

— Sá comadre tem razão <strong>de</strong> não querer falar; respon<strong>de</strong>u o velho, mas seu<br />

compadre po<strong>de</strong> me dar um parecer.<br />

— O melhor é você fazer o que enten<strong>de</strong>r, compadre, respon<strong>de</strong>u o<br />

interpelado.<br />

— Não, senhor, eu preciso <strong>de</strong> saber do parecer <strong>de</strong> seu compadre. S<strong>ou</strong><br />

novato aqui; <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> Deus só <strong>de</strong>vo a seu compadre a casa em que est<strong>ou</strong><br />

morando e as terras em que trabalho. Quem dá o pão, dá o castigo; quem me avisa<br />

meu amigo é.<br />

— Ouça bem, compadre, o que eu lhe v<strong>ou</strong> dizer: nem o Viana, nem o<br />

Sebastião querem casar com as meninas. Eu não pretendia dizer palavra, porque<br />

não gosto <strong>de</strong> envolver-me nestas coisas; mas enfim, não quero que você tenha<br />

razões <strong>de</strong> queixa, quando se arrepen<strong>de</strong>r. Eu no seu caso o que faria era dizer-lhes<br />

que não me viessem em casa, e se as meninas teimassem em querê-los para<br />

maridos, só lhes abriria a porta no dia do casamento.<br />

— Ora vejam só que biscas aquelas, disse o velho sacudindo a cabeça; e<br />

me prosaram com uma venda, com um sítio...<br />

— É verda<strong>de</strong> que o Viana tem uma venda, mas vive com uma mulher e<br />

parece até que é casado com ela. O Sebastião tem umas terras, mas não as cultiva<br />

e não gosta <strong>de</strong> trabalhar. A vida <strong>de</strong>les é fados e namoros. Eis o que tenho a dizer; o<br />

compadre é livre, faça o que enten<strong>de</strong>r.<br />

— O diabo é que eu vejo as cabeças das raparigas meio viradas para eles...,<br />

um inferno; não há nada pior do que ser pobre.<br />

A última consi<strong>de</strong>ração do velho <strong>de</strong>nunciava uma quebra <strong>de</strong> propósito com<br />

que entrara na casa <strong>de</strong> <strong>Coqueiro</strong>: a imagem do sítio e da venda sufocava-lhe a<br />

reflexão. Além disso tinha esvaziado alguns canecos <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte, e o arrastado<br />

da língua e o cuspinhar contínuo <strong>de</strong>nunciavam uma anormalida<strong>de</strong> nas suas<br />

faculda<strong>de</strong>s.<br />

32

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!