Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
— Basta que matem aos que lhes caíram às mãos; — disse ele uma tar<strong>de</strong><br />
em que sentado à margem parecia fascinado pela correnteza do rio.<br />
Ditas estas palavras, Carlos at<strong>ou</strong> aos pés com cuidado extremo duas<br />
enormes pedras e ajoelhando-se então brad<strong>ou</strong> como se quisesse que a sua voz<br />
ecoasse bem longe:<br />
— Perdão, meu senhor; nós fomos os culpados da <strong>de</strong>sgraça, mas somos<br />
também inocentes.<br />
As águas do rio abriram-se espumando e fecharam-se logo sobre o corpo <strong>de</strong><br />
um suicida, que prestava com o seu sacrifício homenagem à inocência do<br />
fazen<strong>de</strong>iro.<br />
Infelizmente para este, o nobre suicida não fazia parte da socieda<strong>de</strong>, que o<br />
<strong>de</strong>via julgar e que amaldiçoava-o antes <strong>de</strong> <strong>ou</strong>vi-lo.<br />
Não obstante a coragem brônzea <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> não se quebrava; e foi<br />
com a maior serenida<strong>de</strong>, senão com a mais santa esperança que em um dos dias <strong>de</strong><br />
janeiro <strong>de</strong> mil oitocentos cinqüenta e três, entr<strong>ou</strong> pela sala do júri, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Macaé.<br />
Pelas <strong>de</strong>z horas da manhã imenso concurso <strong>de</strong> povo afluía para o edifício,<br />
que servia <strong>de</strong> templo â justiça humana, vendada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu nascimento por um<br />
sonho <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> doentia, e agora ainda mais cega pela sobre-excitação<br />
sentimental que a solicitu<strong>de</strong> da calúnia tinha sabido <strong>de</strong>spertar.<br />
Os pais <strong>de</strong> família honestos e <strong>de</strong> consciência transparente disputavam-se<br />
lugar nas bancadas incômodas do tribunal, cheios <strong>de</strong> uma ansieda<strong>de</strong> indizível.<br />
Todos queriam ver o réu principal, <strong>de</strong>cididos a apascentar as manadas <strong>de</strong><br />
apóstrofes <strong>de</strong> promotoria e ódio insaciável, que baliam-lhes esfaimadas,<br />
conchegando-se agora e para logo estramalhando-se do aprisco moral, construído<br />
por uma certa boa fé <strong>de</strong> convenção, que levava os homens, ainda os mais sisudos,<br />
a trapilharem maldições nos esterquilínios formados pela intriga em roda dos<br />
caracteres limpos.<br />
Uma balaustrada dividia a sala em dois planos. No mais elevado em que viase<br />
uma comprida mesa coberta por um pano ver<strong>de</strong> orlado <strong>de</strong> galão amarelo, e cujos<br />
lados e cabeceira do fundo estavam cercados <strong>de</strong> altas ca<strong>de</strong>iras negras <strong>de</strong> encosto<br />
<strong>de</strong> pau. A cabeceira, que ficava próxima à balaustrada, era flanqueada por quatro<br />
bancos <strong>de</strong> assento <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Junto <strong>de</strong>stes bancos uma pequena mesa fazia as<br />
vezes <strong>de</strong> tribuna da <strong>de</strong>fesa.<br />
Ao longo das pare<strong>de</strong>s encostava-se gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong><br />
assento <strong>de</strong> palhinha.<br />
Fora da balaustrada a sala, que dava entrada a uma estreita escada, era<br />
ocupada por muitas linhas <strong>de</strong> compridos bancos.<br />
Este lado <strong>de</strong>stinava-se aos espectadores; o <strong>ou</strong>tro aos juizes, que <strong>de</strong>viam <strong>ou</strong><br />
pautar-se pela opinião pública, <strong>ou</strong> arcar com a responsabilida<strong>de</strong> tremenda que lhes<br />
sobreviria <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>cisão que a <strong>de</strong>sgostasse.<br />
Também enquanto os espectadores davam largas às suas expansões, um<br />
recolhimento religioso solenizava a atitu<strong>de</strong> dos juizes.<br />
O presi<strong>de</strong>nte do tribunal fez soar a campainha presi<strong>de</strong>ncial, para acalmar um<br />
prolongado sussurro que se <strong>de</strong>rram<strong>ou</strong> no recinto.<br />
182