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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— Senhor, disse humil<strong>de</strong>mente o fazen<strong>de</strong>iro; não tento resistir, e entretanto,<br />

se eu fosse um malvado, bem sabe que à primeira voz <strong>de</strong> prisão, tê-lo-ia feito cair<br />

varado por uma bala. Deixe-me seguir; o senhor é pai, é marido, po<strong>de</strong> vir a ser<br />

perseguido sem culpa, como eu hoje s<strong>ou</strong>; compa<strong>de</strong>ça-se <strong>de</strong> minha <strong>de</strong>sgraça.<br />

A mulher e os filhos <strong>de</strong> Dinis tinham todos corrido para a sala <strong>de</strong> jantar, e<br />

olhavam espantados para o hóspe<strong>de</strong>, cujas barbas orvalhavam-se <strong>de</strong> lágrimas.<br />

O fazen<strong>de</strong>iro precipit<strong>ou</strong>-se sobre as crianças e ajoelhando-se, e cingindo-as<br />

em seus braços, continu<strong>ou</strong>:<br />

— Olhem bem para mim, meus filhos, olhem. Digam; eu tenho cara <strong>de</strong> um<br />

malvado, digam, digam a seu pai? Peçam-lhe que não <strong>de</strong>sgrace uma família inteira,<br />

perseguida injustamente.<br />

As crianças pálidas tremiam abraçadas pelo angustiado fazen<strong>de</strong>iro; a<br />

esposa <strong>de</strong> Dinis chorava, mas este <strong>de</strong>sapiedado e inexorável, vendo o hóspe<strong>de</strong> com<br />

os seus filhos entre os braços, após instantes <strong>de</strong> hesitação, atir<strong>ou</strong>-se furioso sobre<br />

ele e agarr<strong>ou</strong>-o pelas costas, gritando:<br />

— Rapazes, tragam-me cordas.<br />

Dois pretos aproximaram-se imediatamente e o fazen<strong>de</strong>iro foi amarrado,<br />

apesar dos seus rogos e protestos <strong>de</strong> que mesmo sem esta medida não tentaria fugir.<br />

Às seis horas e meia da tar<strong>de</strong>, do dia vinte e três <strong>de</strong> <strong>ou</strong>tubro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a rua<br />

Beira-Rio até a Praça <strong>de</strong> S. Salvador, on<strong>de</strong> está situada a ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Campos, a<br />

população curiosa aglomerava-se para assistir a um triste espetáculo.<br />

Descalço, com as mãos algemadas, os olhos baixos, as faces emagrecidas<br />

e lívidas, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> <strong>de</strong>sembarc<strong>ou</strong> da Barca <strong>de</strong> Passagens acompanhado por<br />

gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> soldados.<br />

O <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, Dr. Almeida Barbosa, que esperava o preso a saída<br />

da barca, era alvo das mais entusiásticas manifestações, mas em vez da natural<br />

expansão do seu semblante conservava-se frio e até mesmo comovido.<br />

Ao ver o modo por que o preso era conduzido, o nobre d<strong>ou</strong>tor estremeceu,<br />

mas a sua comoção não pô<strong>de</strong> ser percebida; porque uma nuvem <strong>de</strong> assovios e<br />

alguns projéteis atirados contra <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, causando indignação em vários<br />

grupos, <strong>de</strong>svi<strong>ou</strong> a atenção geral.<br />

Contida pela polícia a baixa manifestação do ódio popular, o <strong>de</strong>sventurado<br />

fazen<strong>de</strong>iro foi conduzido à prisão, cuja guarda foi dobrada.<br />

Declarado incomunicável pela cruelda<strong>de</strong> da lei, <strong>de</strong>sfizera-se-lhe a única<br />

esperança que o alentara durante a vergonhosa e fatigante viagem: a esperança <strong>de</strong><br />

haurir nos beijos <strong>de</strong> seus filhos e nas lágrimas <strong>de</strong> sua esposa e enteado a triste<br />

consolação da amiza<strong>de</strong>.<br />

A gra<strong>de</strong> da prisão tranc<strong>ou</strong>-lhe, porém, não só a consi<strong>de</strong>ração social, mas<br />

também a entrada à afeição da família.<br />

Felizmente superior à lei está a nobreza <strong>de</strong> alguns caracteres, e o gelo dos<br />

artigos legais não basta para petrificar algumas almas eleitas. Sob a toga dos<br />

magistrados batem muitas vezes corações <strong>de</strong> homens!<br />

Alta noite uma das filhas do fazen<strong>de</strong>iro era introduzida pelo carcereiro até<br />

diante das gra<strong>de</strong>s da célula em que ele jazia, <strong>de</strong>stroço <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> nome, solene<br />

no seu infortúnio.<br />

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