Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Como uma fera, que, sendo <strong>de</strong>sapiedadamente fustigada, avança contra o<br />
agressor, mas é contida no ímpeto pelos ferros da jaula; assim enraivecida,<br />
Antonica, levantando os punhos cerrados e rangendo os <strong>de</strong>ntes, fit<strong>ou</strong> os olhos<br />
esgazeados na face pálida <strong>de</strong> <strong>Coqueiro</strong>, que recuara instintivamente.<br />
A moça quis falar, mas não pô<strong>de</strong>; tent<strong>ou</strong> avançar, e caiu arquejante e lívida.<br />
Entre o susto e a pieda<strong>de</strong>, o circunspecto fazen<strong>de</strong>iro tom<strong>ou</strong>-a nos braços, e<br />
os lábios p<strong>ou</strong>saram na fronte <strong>de</strong>scorada <strong>de</strong> Antonica.<br />
Depois conduziu-a para um canapé que estava próximo, e <strong>de</strong>it<strong>ou</strong>-a,<br />
p<strong>ou</strong>sando-lhe a fronte sobre os seus joelhos. Era um pai velando uma filha doente.<br />
— Não tem culpa do que faz, murmur<strong>ou</strong> <strong>Coqueiro</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> contemplá-la<br />
longamente; é a inexperiência que a impele.<br />
— É a ingratidão que me mata, respon<strong>de</strong>u Antonica, e, levantando-se <strong>de</strong><br />
chofre, saiu sem lançar sequer um olhar ao seu honrado guardador.<br />
Apenas Antonica saiu, uma voz vinda do corredor que <strong>de</strong>sembocava na sala<br />
pergunt<strong>ou</strong> humil<strong>de</strong>mente:<br />
— Senhor, quer que acenda o can<strong>de</strong>eiro?<br />
— Deixa-me com mil <strong>de</strong>mônios, patife; ninguém te cham<strong>ou</strong> cá, respon<strong>de</strong>u<br />
<strong>Coqueiro</strong>.<br />
A extemporânea pergunta, que dizia claramente que alguém tinha<br />
presenciado pelo menos o final da cena que procuramos <strong>de</strong>screver, era feita pelo<br />
malicioso Carlos.<br />
O diabrete negro tinha visto Antonica entrar na casa gran<strong>de</strong> e veio<br />
disfarçadamente colocar-se, a princípio, numa saleta próxima à sala <strong>de</strong> jantar, e em<br />
seguida pô<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r-se por <strong>de</strong>trás da porta, que separava esta última sala do<br />
corredor, e daí espreit<strong>ou</strong> quanto se passava.<br />
A curiosida<strong>de</strong> guiara-lhe os passos e ele regozij<strong>ou</strong>-se interiormente, certo <strong>de</strong><br />
que a narração do que vira lhe reconquistaria a familiarida<strong>de</strong> rendosa do feitor.<br />
— Moleque, grit<strong>ou</strong> <strong>Coqueiro</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo <strong>de</strong> silêncio.<br />
O moleque com os braços cruzados sobre o peito veio postar-se diante <strong>de</strong>le.<br />
— Ouve bem, continu<strong>ou</strong> o senhor, só vosmecê entr<strong>ou</strong> aqui a esta hora; se<br />
uma palavra só, das que se disseram aqui, for sabida, eu mando-te surrar e atiro-te<br />
para a enxada; não serás mais meu pajem.<br />
Carlos afast<strong>ou</strong>-se silencioso.<br />
Antonica entr<strong>ou</strong> em casa fingindo-se extremamente contrariada com a<br />
escrava a quem acusava <strong>de</strong> tê-la feito esperar por muito tempo e finalmente adiar<br />
para o dia seguinte a solução do negócio.<br />
O ardil produziu o <strong>de</strong>sejado efeito, porque ninguém repar<strong>ou</strong> na <strong>de</strong>sfiguração<br />
que lhe causara a violência das paixões eruptas durante a malfadada entrevista.<br />
A fortuna, que ainda havia p<strong>ou</strong>co lhe fora tão adversa, protegia-a agora<br />
milagrosamente, proporcionando-lhe meios <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r o seu sofrimento.<br />
Chiquinha, dizendo-se indisposta, retir<strong>ou</strong>-se para o quarto; Mariquinhas fora<br />
para o interior da casa preparar o trem para fazer o café para o seu pai, quando<br />
62