Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Parecia que as forças haviam-na abandonado, tornando-se-lhe impossível<br />
dar um só passo. É que a dominava um <strong>de</strong>sfalecimento hipocondríaco, um <strong>de</strong>sses<br />
espasmos morais que entorpecem os músculos e concentram todas as faculda<strong>de</strong>s<br />
em um ponto único, semelhantemente a um abajur à luz <strong>de</strong> um foco enorme em<br />
superfície restrita.<br />
De súbito, porém, eletrizada por um pressentimento, volt<strong>ou</strong>-se para <strong>de</strong>ntro<br />
pergunt<strong>ou</strong> à sua irmã:<br />
— O capitão não disse se hoje fal<strong>ou</strong> já com papai?<br />
— Não, respon<strong>de</strong>u Mariquinhas distraidamente, pergunt<strong>ou</strong> somente por ele.<br />
— Meu Deus, meu Deus! Eu sinto tanto medo, parece-me que vai acontecer<br />
alguma <strong>de</strong>sgraça, murmur<strong>ou</strong> Antonica.<br />
— O que é que você está dizendo, mana?<br />
— Ah! Sim, grit<strong>ou</strong> a infeliz; eu dizia que é mais certo que papai tenha ido<br />
primeiro visitar Chiquinha.<br />
— Há <strong>de</strong> ser isto.<br />
Antonica termin<strong>ou</strong> o diálogo saindo apressada e cautelosamente, e quando<br />
já não podia ser vista correu incansavelmente até a margem do ribeirão atoladiço<br />
que espreguiçava o seu dorso limoso algumas braças distantes do fundo da casa.<br />
Atravess<strong>ou</strong>-o animosamente por sobre uma tora estreita que se lhe<br />
superpunha e, trepando pela margem oposta, resfoleg<strong>ou</strong>, para <strong>de</strong> novo correr por<br />
uma picada do capoeirão até à beira da estrada.<br />
Pensava que, por maior velocida<strong>de</strong> que pu<strong>de</strong>sse obter do seu invejável<br />
alazão, o fazen<strong>de</strong>iro não podia ainda ter passado por ali.<br />
De feito a topografia do lugar fundamentava esta suposição. O vale, servindo<br />
<strong>de</strong> escoad<strong>ou</strong>ro a enormes brejais, obrigava a estrada a uma volta alongadíssima e<br />
extremamente caprichosa, acompanhando mais <strong>ou</strong> menos a fralda dos morros<br />
vizinhos.<br />
Para bem figurar o traçado, imagine-se uma seção feita pela altura <strong>de</strong> um<br />
cone, cujo vértice era ocupado pela casa nova.<br />
Quando cheg<strong>ou</strong> a estrada estava <strong>de</strong>serta.<br />
Amedrontada por sua própria coragem, Antonica, ofegando <strong>de</strong> cansaço, não<br />
atreveu-se a ir adiante; fic<strong>ou</strong> oculta entre os arbustos marginais da estrada.<br />
Pendiam-lhe sobre ela, carregados <strong>de</strong> cachos vermelhos, os ramos <strong>de</strong><br />
enorme aroeira; em torno e em cima estendia-se o silêncio do céu a transbordar <strong>de</strong><br />
luz; da natureza asfixiada pela canícula.<br />
Para distrair-se e disfarçar o temor, Antonica pux<strong>ou</strong> um dos ramos<br />
pen<strong>de</strong>ntes e, cortando com os <strong>de</strong>ntes um dos cachos <strong>de</strong> frutos, começ<strong>ou</strong> <strong>de</strong><br />
arrancá-los repetindo baixinho, bem-me-quer, mal-me-quer.<br />
O estrupido <strong>de</strong> um próximo galopar veio tirá-la prontamente da sua<br />
distração, precisamente no momento em que se <strong>de</strong>spegava o último fruto,<br />
correspon<strong>de</strong>ndo a uma grata lisonja: bem-me-quer.<br />
Impelida pelo coração, sent<strong>ou</strong>-se à beira do caminho e, <strong>de</strong>rribando os olhos,<br />
esper<strong>ou</strong> por aquele a quem se sacrificaria sem escrúpulos.<br />
De chofre o som do galopar extinguiu-se, e uma voz alegre fez <strong>ou</strong>vir.<br />
— L<strong>ou</strong>vado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, sá Antonica.<br />
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