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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

A convalescença <strong>de</strong> Antonica adiantava-se com felicida<strong>de</strong> e rapi<strong>de</strong>z, graças<br />

a um tratamento <strong>de</strong> pronta eficácia, a medicação da esperança.<br />

<strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> aliava, no fino quilate do seu caráter, duas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

todo o ponto heterogêneas, mas por isso mesmo <strong>de</strong> fácil combinação, a bonomia e a<br />

austerida<strong>de</strong>.<br />

Foi a segunda qualida<strong>de</strong> a que recebeu a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Antonica, mas<br />

quando o fazen<strong>de</strong>iro viu as conseqüências da sua recusa franca e digna, o seu<br />

ânimo essencialmente benévolo increp<strong>ou</strong>-o rispidamente, dando-lhe a<br />

responsabilida<strong>de</strong> da tentativa <strong>de</strong> Antonica.<br />

O resultado foi <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> resolver-se a contemporizar com aquela<br />

paixão ar<strong>de</strong>nte e que resolvera fazer-se impor pela própria l<strong>ou</strong>cura, <strong>ou</strong> respeitar-se<br />

pelo remorso.<br />

Em uma das remissões da febre <strong>de</strong>lirada da filha do agregado, esta ao abrir<br />

os seus gran<strong>de</strong>s olhos amortecidos encontr<strong>ou</strong> o olhar com a observação comovida<br />

<strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>.<br />

O quarto silenciava numa triste penumbra, só, <strong>de</strong>stoada por um listão<br />

impalpável <strong>de</strong> luz, coado pela fresta da porta semi-aberta e no qual turbilhonavam<br />

sem ruído inúmeras partículas <strong>de</strong> pó.<br />

Neste ponto foi fixar-se o olhar da moça.<br />

— Tive ainda agora um sonho, disse ela <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>morada<br />

contemplação; como ali eu vi uma gran<strong>de</strong> faixa <strong>de</strong> luz, on<strong>de</strong> em vez <strong>de</strong> poeira<br />

subiam e <strong>de</strong>sciam anjinhos. Entre eles e sobre a luz boiava eu como uma folha no<br />

rio. Eu tinha os olhos abertos, via, mas nem podia mover-me nem falar. Ia à mercê<br />

<strong>de</strong> um empurrão invisível, mas <strong>de</strong> repente parei, meu corpo havia-se encostado<br />

sobre o peito <strong>de</strong> alguém. Se este sonho se realizasse eu preferia morrer.<br />

— Isto foi um <strong>de</strong>lírio, minha filha; não pense mais na morte, e não terá<br />

<strong>de</strong>stes sonhos. Veja se po<strong>de</strong> acalmar-se; eu est<strong>ou</strong> aqui ao seu lado.<br />

— E há <strong>de</strong> estar sempre?<br />

— E por que não hei <strong>de</strong> estar? Pensa que não lhe estimo muito, muito...<br />

— Como estima a toda a gente, que precisa que se lhe faça bem.<br />

— Mais do que isso, Antonica; é a estima que se dá a um coração, que<br />

sabemos que bate por nós. Se você morresse, eu nem sei o que seria <strong>de</strong> mim.<br />

— Eu tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> morrer, porque sei que seu capitão ficava<br />

<strong>de</strong>scansado.<br />

— Quem sabe do futuro, Antonica! Talvez eu não sobrevivesse muito.<br />

O egoísmo incan<strong>de</strong>scente do amor espanej<strong>ou</strong>-se triunfante no coração <strong>de</strong><br />

Antonica; revel<strong>ou</strong>-o eloqüentemente a ternura <strong>de</strong> seu olhar. Uma alegria infantil<br />

d<strong>ou</strong>r<strong>ou</strong> a pausa que h<strong>ou</strong>ve no diálogo, alegria <strong>de</strong> um moribundo, que<br />

voluntariamente escondia na sombra <strong>de</strong> um túmulo as mais risonhas ilusões, e que<br />

<strong>de</strong> súbito afasta a sombra ominosa e sente inundar-se dos esplendores da ventura.<br />

— É mentira minha, é mentira, exclam<strong>ou</strong> Antonica; eu estava sem tino, o<br />

que eu quero é viver, seu capitão, viver!<br />

— Sim. você há <strong>de</strong> viver para seus pais, para mim, que tenho na sua<br />

amiza<strong>de</strong> o melhor prêmio do p<strong>ou</strong>co bem que tenho feito.<br />

Este único aceno amistoso ao i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Antonica, róseo colorido <strong>de</strong> alvorada<br />

em céu borrascoso. reanim<strong>ou</strong>-a, <strong>ou</strong> melhor ainda, ressuscit<strong>ou</strong>-a.<br />

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